Cognoscibilidade e temática dominantes nas pinturas rupestres do Serrote do Morrinho, em Sento Sé - Ba
Celito Kestering. Graduado em Filosofia, Psicologia e
Sociologia pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL, 1974);
Engenheiro Agrônomo pela Faculdade de
Agronomia do Médio São Francisco (FAMESF, 1980);
Especialista em Realidade Brasileira, pelo
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (IBRADES, 1981);
Mestre em Pré-História (2001) e doutor em
Arqueologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2007); Professor
Adjunto 3 na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).
E-mail: celito.kestering@gmail.com; Fones:
(74) 3538 2454; (74) 9193 2507 e (89) 3582 3338.
Morgana Cavalcante Ribeiro. Universidad Bacharelanda em Arqueologia e Preservação
Patrimonial na Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF;
Bolsista do Programa de Iniciação Científica – PIBIC.
E-mail: ribeiromorgana24@yahoo.com.br;
Fones: (89) 9908 9913 e (89) 9400 3572.
RESUMO
Apresentam-se os resultados da pesquisa que se fez no conjunto de pinturas rupestres do Serrote do Morrinho, em Sento Sé – BA, para reconhecer atributos da identidade de grupos pré-históricos que ocuparam a região do Submédio São Francisco. Inicialmente, caracterizou-se a área, com a descrição de aspectos geológicos, geomorfológicos e ambientais para desvendar parte do contexto do grupo pré-histórico que realizou as pinturas rupestres. Em seguida, classificaram-se as pinturas com os parâmetros da cognoscibilidade e da temática. Pelo parâmetro da cognoscibilidade dominante, relacionada com longo tempo e amplo espaço, classificam-se conjuntos de registros rupestres em tradições. Pelo critério da temática dominante, relacionada com um espaço geográfico restrito, filiam-se conjuntos de figuras rupestres em subtradições. Observações preliminares permitem propor, em nível hipotético, que as figuras do Serrote do Morrinho, por serem majoritariamente reconhecíveis e apresentarem dominância temática diferente da que compõe a Subtradição Sobradinho, pertençam à Tradição São Francisco e a uma subtradição a ser definida.
Palavras Chave: Pintura rupestre. Cognoscibilidade. Temática. Serrote do Morrinho. Sento Sé – BA..
ABSTRACT
On presents the results of research that has been made in set of cave paintings of Serrote do Morrinho in Sento Sé - BA to recognize attributes of the identity of prehistoric groups who occupied the region of Lower Basin San Francisco River. Initially, on characterized the area by the description features of geological geomorphological and environmental to unravel the context of the prehistoric group that made the rock paintings. Then on classified rock paintings by parameters: knowability and theme. By knowability dominant parameter related to long time and large space, are classified recordsets rock traditions. At the discretion of the dominant theme, related to a small geographical area, are brought into sets of figures in rock subtraditions. Preliminary observations allow us to propose, in hypothetical level, that the figures of Serrote do Morrinho, being mostly recognizable and present dominance of different theme that makes up the sub-tradition Sobradinho belong to Tradition San Francisco and one sub-tradition to be defined.
Palavras Chave: Rock paintings. Knowability. Theme. Serrote do Morrinho. Sento Sé - BA..
INTRODUCCIÓN
As pesquisas
arqueológicas na região de Sobradinho – BA começaram em 1977, com o
Projeto Sobradinho de Salvamento Arqueológico realizado por uma equipe
coordenada por Valentin Calderón. Esse projeto desenvolveu-se em toda a área que
seria inundada pela construção da Barragem de Sobradinho, na área de segurança
e nas suas adjacências. Tinha o objetivo de coletar e salvaguardar o patrimônio
que jazeria nas profundezas do lago sem que sobre eles tivesse sido gerado
conhecimento científico algum sobre os grupos históricos e pré-históricos que
ocuparam as margens e as ilhas desse trecho do Rio São Francisco (CALDERÓN,
1977).
Embora o tempo para as
atividades de salvamento fosse muito limitado, a equipe de Calderón conseguiu
identificar e salvar um número considerável de vestígios arqueológicos que se
encontra no Departamento de Arqueologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
sem que sobre ele se tenha, por enquanto, produzido conhecimento científico
algum. Durante a realização dos
trabalhos de campo, a equipe coletou muitos fragmentos de cerâmica e artefatos da indústria lítica em superfície
e em algumas sondagens das quais se produziram escassas plantas e poucos
registros fotográficos. Os primeiros sítios arqueológicos com registros
rupestres na região de Sobradinho - BA foram identificados durante essas
atividades, sendo caracterizados pela equipe como sítios com arte parietal
dividida em pictografias e petroglifos.
Com base no Relatório do Projeto Sobradinho de
Salvamento Arqueológico, Kestering (2001 e 2007) continuou as pesquisas na
região. Como categoria de saída de sua pesquisa inicial feita no Boqueirão do
Riacho São Gonçalo, Kestering (2001) levantou a hipótese de que a região de
Sobradinho teria sido área de passagem de grupos pré-históricos do Sudeste do
Piauí, da região do Agreste, do Médio e do Alto São Francisco. Ampliando,
porém, sua área de pesquisa e analisando uma quantidade maior de painéis de
pintura rupestre que encontrou em 112 sítios arqueológicos, Kestering (2007)
propôs que a maior parte dos grafismos da região de Sobradinho - BA foi
realizada por um grupo pré-histórico de permanência constante no Submédio São
Francisco. Esse grupo teria ocupado a região desde o final do Pleistoceno,
quando o clima da região era tropical úmido, até o Holoceno Superior, quando
eram vigentes as condições climáticas atuais.
A constatação de semelhança no padrão de
cognoscibilidade com conjuntos de grafismos pesquisados no planalto central do
Brasil e em toda extensão do vale permitiu-lhe classificar, em caráter
hipotético, o conjunto dominante de grafismos analisados na Tradição São
Francisco. Com base na informação de que a antiguidade das datações obtidas em
vestígios arqueológicos do Estado de Goiás, do Alto e do Médio São Francisco, é
maior em relação aos vestígios datados no Submédio e no Baixo São Francisco,
reafirmou a hipótese de Martin (1978). Segundo essa pesquisadora, os grupos
pré-históricos que ocupavam o Vale do São Francisco eram originários do
Planalto Central do Brasil.
No
universo dos grafismos rupestres que analisou, Kestering (2007) constatou que
várias temáticas eram recorrentes. A dominância de uma dessas temáticas serviu-lhe
de base para classificar o conjunto de grafismos analisados na Subtradição
Sobradinho. Os grafismos da temática dominante dessa subtradição apresentam
traços contínuos, em diagonal ascendente e descendente, quando horizontais, ou
da esquerda para a direita e vice-versa, quando verticais. Prosseguindo sua
análise, identificou três padrões técnico-temáticos que lhe possibilitaram
propor datações relativas. Constatou que um dos padrões técnico temáticos é
dominante nas altas, outro nas médias e o terceiro nas baixas vertentes.
Definiu-os como Estilo Olho D’água, com mais de 9000 anos AP, Estilo São
Gonçalo, com datações que variam de 9000 a 6790 anos AP e Estilo Brejo de
Dentro, com menos de 6790 anos AP (KESTERING, 2007, p. 173)
Com o objetivo de
identificar o território (área ocupada e fronteiras) do grupo pré-histórico que
realizou o conjunto gráfico da Subtradição Sobradinho, Lima Filho (2013)
prosseguiu a pesquisa. Com os parâmetros da cognoscibilidade e da temática, analisou,
para tanto, painéis de pintura rupestre de 50 sítios arqueológicos que
encontrou em 12 feições de relevo do município de Sento Sé – BA,
contíguas à unidade de pesquisa de Kestering (2007). Constatou que as
fronteiras da Subtradição Sobradinho transcendem a unidade de pesquisa de
Kestering (2007), porém, por absoluta escassez de tempo, não conseguiu
defini-las. Propôs, por isso, ampliar a área de pesquisa.
O
universo das pinturas estudadas não permitiu definir as fronteiras da
Subtradição Sobradinho. Constatou-se que nas feições de relevo, situadas entre
o Riacho Tatauí, a leste; o Riacho do Bonsucesso e o Riacho da Pitombeira, ao
sul e o Riacho da Samambaia, a oeste têm a mesma dominância da temática RT-12
constatada na unidade de pesquisa de Kestering (2007). Ocorre, porém, que as
feições de relevo situadas além das hipotéticas fronteiras também apresentaram
a mesma dominância temática. Propõe-se, por isso, ampliar a área de pesquisa,
estendendo-a até o divisor de águas da serra de São Francisco, ao sul, ao
talvegue do Riacho Língua de Vaca, a leste e ao Riacho São Pelegrino a oeste (LIMA FILHO, 2013, p. 130).
Com a
presente pesquisa quer-se aferir se o conjunto de pinturas rupestres do Serrote
do Morrinho, situado junto à margem direita do Riacho São Pelegrino, no
Município de Sento Sé – BA apresenta padrão de cognoscibilidade e
temática que permita classificá-lo na Tradição São Francisco e na Subtradição
Sobradinho. Quer-se verificar se sua autoria pode ser atribuída ao mesmo grupo
pré-histórico que ocupou o território contemplado pela pesquisa de Kestering
(2007) e Lima Filho (2013). Para tanto, iniciam-se os trabalhos com a
identificação de características ambientais para desvendar parte contexto com o
qual se relacionaram os grupos pré-históricos que realizaram os painéis de
pintura rupestre do Serrote do Morrinho.
2. CONTEXTO
GEOAMBIENTAL DO SERROTE DO MORRINHO
O Serrote do
Morrinho está localizado junto ao povoado de Morrinhos, no município de Sento
Sé – BA, região Noroeste do Estado da Bahia, Submédio São Francisco. Situa-se a 8 km ao sul da rodovia BA-210, 11 km ao sul da
borda do Lago de Sobradinho e 22 km ao sul da margem direita do antigo leito
do Rio São Francisco. Localiza-se a sudeste da ilha de Urucé e da antiga cidade
de Sento Sé, hoje inundadas pelo lago artificial. Está a, aproximadamente, 7 km
ao sul do povoado de Piçarrão; 58 km a oeste da cidade de Sobradinho; 100 km a
leste da atual sede do município de Sento Sé – BA; 15 km a sudoeste da
unidade de pesquisa de Kestering (2007) e 5 km a oeste da unidade de pesquisa de
Lima Filho (2013) (Fig. 1).
As rochas do Serrote do Morrinho pertencem
ao grupo geológico Metagranitóides de Regime Transcorrente da Tectogênese Transamazônica (ANGELIM, 1997, p. 46). Elas pertencem ao conjunto de
rochas sedimentares, ígneas, magmáticas e/ou eruptivas metaplutônicas muito antigas. A Tectogênese Transamazônica ocorreu no Proterozóico
Inferior, há, aproximadamente, dois bilhões de anos, quando começavam a
parecer, no planeta, as primeiras formas de vida unicelular avançada e
multicelular.
A vegetação
do entorno do serrote é a caatinga arbórea com predominância de angico e de
favela. A fauna
silvestre mais comum é constituída por insetos como o cupim, a formiga e a
abelha; pássaros como a rolinha fogo apagou, a jandaia, o cancã, o carcará, o
gavião, o sofrê, o bentevi, o anum preto, o canário
da terra, o casaca-de-couro, a coruja buraqueira, o João-de-barro,
a asa branca, o galo de campina e a juriti; roedores como o mocó e o preá;
tatus como o peba, o tatu verdadeiro, o tatu china e o tatu bola; outros mamíferos como o saruê e o
gambá; cobras como a
jararaca, a jibóia, a cascavel, a coral, a cipó bicuda e a cipó verde; lagartos
como a iguana, a lagartixa e o calango de lajedo. A fauna doméstica é
representada pelo carneiro, o bode, o cavalo, o burro, o jumento, o porco,
o boi zebu e boi europeu.
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Figura 1 – Definição provisória do
território ocupado pelos autores dos registros
rupestres da Subtradição
Sobradinho com localização do Serrote do Morrinho
(Fonte: Lima Filho, 2013, p.
141, modificado pelos autores)
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Próximo ao serrote há
uma fonte de água potável. A água da fonte costuma estar coberta por uma camada
de aguapé nativo cujo sistema radicular agrega os colóides de argila em suspensão,
filtrando-a. O aguapé conserva a água cristalina e gelada mesmo quando a temperatura
do ambiente é quente. A menos de 50 metros a oeste do serrote passa o riacho
São Pelegrino. É um afluente intermitente da margem direita do Rio São
Francisco.
O ambiente
influencia diretamente nas temáticas e nas técnicas de realização que os grupos
pré-históricos utilizaram para realizar pinturas rupestres. É por isso que o
estudo do contexto geológico, geomorfológico e ambiental das feições de relevo
onde elas foram realizadas faculta o reconhecimento de atributos da sua identidade.
O reconhecimento de atributos da identidade dos autores valida, por sua vez, a
identificação do território que eles ocuparam.
Há que se
observar, porém, a relatividade das proposições sobre o passado porque ele não
pode ser compreendido de forma completa, uma vez que os vestígios são uma
ínfima parte preservada da produção cultural de um dado período. Além disso, sua
explicação e/ou interpretação é e sempre será eivada de subjetividade porque
sofre influência da ideologia e/ou do paradigma do pesquisador. É inegável,
porém, que os artefatos conservam atributos factuais da identidade dos seus
autores. Eles são o resultado factual do mapa cognitivo dos grupos
pré-históricos. Neles podem ser identificados gestos e comportamentos
padronizados do processo de produção. É por isso que o contexto ambiental
desvendado, a existência de artefatos e um quadro teórico testável dão
confiabilidade científica às proposições referentes à identidade de quem os
realizou.
3. PARÂMETROS
PARA CLASSIFICAÇÃO DAS PINTURAS RUPESTRES
Classifica-se
o universo de pinturas rupestres que se identificou no Serrote do Morrinho pelos
parâmetros da cognoscibilidade e da temática dominante. Com o parâmetro da
cognoscibilidade dominante relacionada com longo tempo e amplo espaço classificam-se
conjuntos de pinturas em tradições.
Identifica-se
a cognoscibilidade dominante pela segregação qualitativa e quantitativa de
figuras conhecíveis e reconhecíveis. São conhecíveis as figuras que representam
realidades que eram conhecidas pelos autores dos registros rupestres e o são pelos
pesquisadores. Para a identificação de grafismos reconhecíveis, que representam
realidades conhecidas pelos autores, porém não pelos pesquisadores, considera-se
unidade gráfica um signo ou todo o conjunto de signos e espaços vazios de um
painel, enquanto não são identificadas ocorrências de figuras semelhantes em
outros painéis. Eles são reconhecíveis, por isso, nas recorrências.
Pelo critério da temática dominante,
relacionada com um espaço geográfico restrito em relação ao da tradição,
filiam-se conjuntos de figuras rupestres em subtradições. Identificam-se as
temáticas pelo reconhecimento de formas que definem as unidades gráficas e, às
vezes, os arranjos de painéis.
3.1. AMBIGUIDADE
DAS CLASSIFICAÇÕES PRELIMINARES
É comum, na região Nordeste e em todo o
Brasil, fazer-se a filiação tácita de conjuntos gráficos rupestres a
uma das
classes preliminares definidas como tradições. Conjuntos de pinturas pré-históricas,
com dominância ou grande ocorrência de grafismos reconhecíveis (abstratos,
geométricos, metafóricos) são, assim, regularmente, a critério e gosto de cada
pesquisador, classificados como Tradição Geométrica, São Francisco ou Agreste.
Com
base na tipologia dominante relacionada com a respectiva área de concentração,
o conjunto de pinturas da Bacia Hidrográfica do São Francisco pode ser classificado
como Tradição Geométrica. Com base nos critérios da técnica e das formas de
apresentação, Prous (1992 apud Kestering 2007) classificou-o, porém, como Tradição São Francisco e evidenciou
o problema da ambiguidade paramétrica quando constatou que figuras simples e
lineares são classificadas como Tradição Geométrica, na região de Sete Cidades
– PI e, como Tradição São Francisco, na região de Montalvânia – MG.
Com base no
parâmetro da forma de apresentação, Schmitz et
al. (1984) classificaram “pinturas rupestres zoomorfas (lagartos, tartarugas, aves de asas
fechadas, aves de asas abertas) geralmente estáticas, com raros antropomorfos e
muitas figuras geométricas encontradas em abrigos rochosos de arenito ou
quartzito”, do Planalto Central do Brasil e do Alto São Francisco como Tradição
São Francisco.
Na região do
Médio, Submédio e Baixo São Francisco constata-se, também, a utilização de
parâmetros derivados de ambiguidades nos conceitos que definem os quadros
teóricos que norteiam as pesquisas. Segregam-se, assim, conjuntos gráficos que
poderiam, a um só e mesmo tempo pertencer à tradição Geométrica, São Francisco,
Agreste e Nordeste.
A ambiguidade
atinge patamares extremos quando se verifica que, pelo critério da tipologia dominante
relacionada com áreas geográficas, conjuntos de grafismos reconhecíveis do
Agreste de Pernambuco poderiam ser classificados na Tradição Agreste, também
poderiam sê-lo na Tradição São Francisco, por situarem-se em uma área de
intersecção geográfica. Poderiam, também, ser classificados na Tradição
Geométrica pela dominância ou subdominância de figuras reconhecíveis. Em função
das ambiguidades conceituais, há pesquisadores que propõem o descarte do modelo
classificatório. Nessa pesquisa decide-se utilizá-lo por se entender que o
problema reside na ambiguidade dos conceitos em se fundamentos os parâmetros de
análise.
4. CLASSIFICAÇÃO
PARA RECONHECIMENTO DOS AUTORES
Os artefatos
têm diferentes graus de significação para a sobrevivência dos grupos. Alguns,
de significância maior, são, por isso, mais recorrentes que outros. A grande
quantidade de registros rupestres que se conservaram em abrigos e escarpas da
região Nordeste do Brasil, atesta sua alta significância para os grupos
pré-históricos. As pinturas e as gravuras são fragmentos do sistema de
comunicação que tinham função mnemônica. Eram marcadores significativos de
memória para os grupos.
Os registros rupestres
são produtos factuais das estruturas genéticas, emocionais, hormonais e mentais
de indivíduos que compartilhavam mapas cognitivos e habilidades técnicas com
grupos pré-históricos a que pertenciam. Por possuírem atributos qualitativos
perceptíveis, elas são divisáveis, quantificáveis e, por isso, passíveis de
estudos científicos.
Fazer ciência é ampliar
a compreensão de um universo factual a partir de um modelo teórico bem
fundamentado. Para ordenar, explicar ou interpretar objetos factuais, quais
sejam as pinturas rupestres, todo pesquisador adota um modelo teórico,
constituído de um sistema de conceitos. Da definição precisa dos conceitos, da
argumentação e da adoção de parâmetros compatíveis dependem as classificações,
as explicações e as interpretações. A consistência científica ou cientificidade
das proposições depende, assim, fundamentalmente, da definição precisa das
fronteiras dos conceitos.
4.1. TRADIÇÃO
Os conhecimentos
produzem-se a partir de estruturas sociais e pessoais e das relações que os
grupos têm com ambientes diferentes. Como os artefatos líticos e cerâmicos, os
registros rupestres são o produto final dos conhecimentos e das técnicas dos
grupos a que seus autores pertenciam. Na construção das identidades atuam agentes
conservadores como a tradição, a estrutura social, o poder e a própria
estrutura genética que uniformizam e perpetuam padrões de comportamento dos
indivíduos e dos grupos. O processo de ensino aprendizagem não se reduz a
simples cópia de atributos. Ele envolve estruturas físicas que dependem do
sistema hormonal e nervoso, herdados geneticamente. O sistema nervoso e
hormonal é responsável pelas relações dos indivíduos com o ambiente e com os
outros membros da espécie. É constituído por um conjunto de neurônios que se
conecta e transmite mensagens do mundo externo ao cérebro. No cérebro, as
mensagens são interpretadas e assimiladas. Os atributos culturais dos grupos
estão, por isso, ligados a coordenações profundas dos genomas dos indivíduos.
Enquanto alguns genes regulam respostas adaptativas ao ambiente, outros repetem
metabolismos que mantêm a estrutura do conjunto (PIAGET, 1996, apud KESTERING, 2007, p. 32-33).
Nos
intercâmbios com o meio ambiente e com outros grupos, os indivíduos agregam à
sua identidade os atributos adquiridos pelo processo de aprendizagem. No
processo de aprendizagem, a assimilação da realidade externa para a produção de
conhecimentos depende da estrutura genética dos indivíduos e da estrutura
mnemotécnica do grupo. As estruturas mnemotécnicas são arquivos de memória
pelos quais se reconhecem os traços funcionais essenciais dos objetos. Assim, a
capacidade de perceber e reproduzir imagens depende, em última instância, de
disposições físicas e de potencialidades desenvolvidas pelos indivíduos, no
contexto social e ambiental. Vê-se o que se está condicionado a ver. Percebe-se
e incorpora-se aquilo que se associa com as estruturas mnemotécnicas. Por
estarem estreitamente relacionadas com a estrutura genética e mnemotécnica, as
manifestações culturais preservam, por isso, atributos caracterizadores da
identidade dos grupos (PIAGET, 1996, apud KESTERING, 2007, p. 33).
A
estrutura genética e mnemotécnica são transmitidas de geração em geração e se
manifestam nas homologias. Segundo Wilson (1978) “homologia é toda a semelhança
entre estruturas anatômicas, processos fisiológicos ou genes idênticos de duas
ou mais espécies, decorrente da posse de um antepassado comum”. Utiliza-se o
conceito de homologia para os atributos culturais de identidade que, apesar de
apresentarem mudanças ao longo do tempo, mantêm constante uma estrutura com a
qual se relacionam diferentes grupos a um ancestral comum.
A constatação de que existem homologias no
comportamento animal leva etólogos a defenderem a proposição de que, na
passagem de atributos culturais de identidade entre gerações, funcionam
processos semelhantes aos fatores que mantêm atributos físicos na herança
genética (LORENZ, 1995 apud KESTERING, 2007, p. 33).
4.1.1. Tradição
na perspectiva estruturalista de Lévi Strauss
Quando se estudam
grafismos rupestres como fonte de dados antropológicos para reconhecimento de
identidades pré-históricas, buscam-se reconhecer padrões gráficos que, por
serem estruturais, se perpetuam ao longo de milênios. Os padrões gráficos
transmitidos de geração em geração são constituídos de características que
permitem atribuir um universo de grafismos a grupos históricos e/ou
pré-históricos ligados a uma ancestralidade comum.
Com base nos
pressupostos teóricos binários do estruturalismo europeu, Lévi-Strauss (1908
– 2009), diferenciava as sociedades humanas em duas classes. Há
sociedades que produzem seus conhecimentos e artefatos culturais a partir de
uma estrutura cognitiva edificada sobre um arquétipo mitológico. Outras há que
geram seus conhecimentos e artefatos culturais a partir de uma estrutura
cognitiva edificada sobre um arquétipo histórico. Diferenciam-se, assim, as
sociedades humanas como “sociedades frias" e "sociedades quentes".
As sociedades frias (primitivas) situam-se
fora da história. Elas orientam-se pelo modo mítico de pensar. A partir da
concepção do mito suprimem a dimensão do tempo. Orientam-se, dominantemente
pela dimensão do espaço. As sociedades
quentes (civilizadas) movem-se dentro da história. Dão ênfase ao
progresso e às transformações. Orientam-se, dominantemente pela dimensão do
tempo (LÉVI-STRAUSS, 1962)
Hernando (2002)
caracteriza as sociedades frias como metonímicas e as sociedades quentes como
metafóricas. Segundo ela, as sociedades que adotam preferencialmente o espaço
como referência são metonímicas. Metonímia é uma figura de linguagem que, dada a relação de semelhança ou a possibilidade de associação, emprega um
termo por outro. Metáfora é a palavra ou expressão que produz sentidos
figurados por meio de comparações implícitas. Constrói-se a partir de
equivalência de termos que subentendem um conceito sem relação aparente com
eles. Assim, enquanto a metonímia estabelece uma relação direta do termo com o
objeto a que se refere (garfo e comida), a metáfora (mulher e gata) não revela
o conceito de sensualidade que se quer transmitir.
Para
reconhecer a ancestralidade dos grupos pré-históricos que realizaram as pinturas
rupestres do Serrote do Morrinho adotam-se os pressupostos teóricos
estruturalistas de Strauss (1962) e o parâmetro da cognoscibilidade. Deduz-se
que, nos rituais de realização de registros rupestres, os grupos metonímicos
representavam realidades conhecidas pelos autores e pelos leitores que a elas
tivessem acesso enquanto que as realidades representadas pelos grupos
metafóricos pressupunham o conhecimento de conceitos subjacentes, acessíveis
apenas a quem partilhasse de sua cultura. O universo de pinturas rupestres da região Nordeste pode ser, assim,
classificado como figuras dominantemente conhecíveis (realistas) (Fig. 2 e 3),
realizadas por grupos metonímicos (sociedades frias) e dominantemente
reconhecíveis (abstratas), realizadas por grupos metafóricos (sociedades
quentes) (Fig. 4 e 5).
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Figura
2 – Painel com figuras conhecíveis, no sítio Toca da Extrema II,
Sudeste
do Piauí (Fonte: Souza: 2009)
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Figura 3 – Painel com
figuras conhecíveis no Boqueirão dos Caboclos e Sento Sé – BA
(Foto:
Kestering, 2011)
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Figura 4 – Painel com figuras
reconhecíveis no Boqueirão do Riacho São Gonçalo
(Foto: Celito Kestering, 2011)
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Figura 5 – Painel com figuras
reconhecíveis no Boqueirão do Riacho São Gonçalo
(Foto: Celito Kestering, 2011) |
4.2. SUBTRADIÇÃO
Alguns
atributos da identidade modificam-se diante das exigências ambientais e de
relações sociais internas e externas dos grupos. Os grupos são sistemas abertos,
com dinâmicas próprias que, por imperativos genéticos, promovem trocas
genéticas e culturais. As trocas de genes e os intercâmbios culturais revigoram
os indivíduos, aprimorando aptidões físicas e a visão de mundo. Mesmo
conflituosas, as relações entre grupos sociais acabam em apropriações
biológicas e culturais, tanto pelos remanescentes dos vencidos como pelos
vencedores (FERREIRA NETO in CARDOSO
e VAINFAS, 1997 apud KESTERING,
2007). De acordo com Bateson (1977, apud Kestering, 2007), as apropriações
que ocorrem nos contatos sociais “promovem fusão completa dos grupos
originalmente diferentes, eliminação de um dos grupos ou até mesmo dos dois, ou
ainda, persistência dos dois grupos em um equilíbrio dinâmico, no interior de
uma comunidade maior”.
Os
grupos de uma mesma espécie precisam estar ligados por cruzamentos. Não havendo
cruzamentos com outros grupos, ao longo do tempo, os indivíduos definham-se. Em
isolamento geográfico, um grupo de indivíduos pode evoluir para uma subespécie,
ainda em condições de cruzamento. Se a barreira que impede o cruzamento
persistir por muito tempo, a tendência da subespécie isolada é evoluir para
outra espécie, o que significa que, se encontrar populações da espécie
original, não se cruzará mais com elas (WILSON, 1994 apud KESTERING, 2007). Por ser uma espécie biológica definida, os
humanos formam um conjunto genético fechado porque não trocam genes com outras espécies. Os indivíduos
de um grupo não podem, por isso, se desviar muito dos demais porque precisam
intercambiar genes com famílias de outros grupos.
Grupos
humanos fazem modificações no seu sistema de comunicação, adequando-o ao
habitat. Modificam-se, assim, alguns elementos do padrão gráfico herdado. Nas
pinturas rupestres, essas adequações são observadas nas mudanças temáticas
representadas por grupos de origem comum, em condições ambientais diferentes.
Mudanças nos elementos das temáticas representadas por grupos que ocupam por
certo tempo um mesmo espaço geográfico, podem ocorrer, em conseqüência de
contatos com outros grupos, ou mesmo por alterações climáticas ou geofísicas
que modificam a paisagem. A identificação da temática dominante no conjunto
gráfico de uma tradição permite, por isso, classificar conjuntos de grafismos
em subtradições e reconhecer mudanças que ocorrem, ao longo do tempo.
5 . PARÂMETROS
PARA ANÁLISE DAS PINTURAS
Para análise
das pinturas do Serrote do Murrinho, com vistas a classificá-las em uma
tradição que possibilite o reconhecimento de uma ancestralidade comum e
contribua na formulação de proposições referentes à origem de seus autores
adota-se o parâmetro da cognoscibilidade dominante. Para análise do mesmo
universo de pinturas, com vistas a aferir se pertencem à Subtradição Sobradinho
adota-se o parâmetro da temática dominante
3.1 COGNOSCIBILIDADE
Entende-se
como cognoscibilidade a qualidade do que é cognoscível. A cognoscibilidade
depende da relação dialógica entre o sujeito cognoscente e o objeto
cognoscível. Existem objetos que, por sua natureza (essência ou estrutura) e
por seus atributos (aparência) são facilmente identificados. Outros dependem do
conjunto de conhecimentos, da capacidade de percepção ou do grau de
aprimoramento técnico do sujeito cognoscente.
Todo o
conhecimento envolve a relação direta do sujeito cognoscente com algum objeto
(a relação de conhecer diretamente ou, conversamente, de apresentação de um
objeto a um sujeito cognoscente), mesmo que esse conhecimento seja por
descrição de outro objeto (RUSSELL, 1966).
A natureza
(essência) dos artefatos humanos preserva-se na sua estrutura. Esta se
configura na constituição (composição) e distribuição de seus componentes.
Essas estruturas atendem a imperativos funcionais relacionados com a
sobrevivência de grupos históricos e/ou pré-históricos. Pelo parâmetro da cognoscibilidade
é possível constatar se universos de registros rupestres pré-históricos são
predominantemente metonímicos ou metafóricos. Denominam-se as figuras
metonímicas como conhecíveis e as metafóricas como reconhecíveis. Figuras
conhecíveis representam elementos do mundo sensível sendo, portanto, facilmente
identificados. Figuras reconhecíveis não representam realidades conhecidas,
sendo, por isso, reconhecidos nas recorrências.
Todas as
pinturas que se encontram no Serrote do Morrinho são reconhecíveis. Elas foram
feitas por membros de um grupo pré-histórico que Lévi-Strauss caracterizaria
como sociedade quente.
3.2 TEMÁTICA
Temática
é o germe a partir do qual se podem desenvolver diferentes composições para
representar realidades pertencentes ao mundo material ou imaginário. Não se
pode interpretá-la, porque não se dispõe do código de interpretação dos
autores. Seu reconhecimento é possível na peculiaridade das formas. As
temáticas das figuras conhecíveis caracterizam-se pela representação de expressões
corporais ou atributos de identidade, como ornamentação, forma e tamanho. Nas
figuras reconhecíveis, caracterizam-se pela presença de elementos básicos
(signos e significantes, geométricos ou não) e seu agenciamento nas unidades
gráficas.
Pelo
critério da temática dominante, relacionada com um espaço geográfico restrito,
filiam-se conjuntos de figuras rupestres em subtradições. A temática refere-se
a preferências nas formas que os autores de uma sociedade utilizavam para
pintar diferentes arranjos que compõem os painéis.
No Serrote do
Morrinho, identificaram-se quatro painéis de pintura rupestre com um total de
nove figuras de temáticas variadas. Foram pintadas com tinta vermelha e com
pincéis de largura média. Constatou-se que 7 (77,78%) representam temáticas
recorrentes e 2 (22,22%), não-recorrentes (Fig. 6). São distribuídas as figuras
de recorrência temática (RT) em 5 conjuntos (Fig. 7 a 12). Foram constatadas
duas temáticas não-recorrentes NR-57 e NR-58 (Fig. 13 e 14).
Tabela
1 – Temáticas identificadas ao longo das pesquisas na área arqueológica
de Sobradinho
Painel
|
Figura
|
Kestering, 2007
|
Lima Filho, 2013
|
Pesquisa Atual
|
Painel 01
|
1
|
NR-28
|
RT-75
|
RT-75
|
|
2
|
Não identificada
|
Não identificada
|
NR-57
|
|
3
|
RT-17
|
RT-17
|
RT-17
|
|
4
|
RT-21
|
RT-21
|
RT-21
|
Painel 02
|
1
|
RT-21
|
RT-21
|
RT-21
|
|
2
|
RT-16
|
RT-16
|
RT-16
|
|
3
|
RT-16
|
RT-16
|
RT-16
|
Painel 03
|
1
|
RT-22
|
RT-22
|
RT-22
|
Painel 04
|
1
|
Não identificada
|
Não identificada
|
NR-58
|
|
|
Figura 6 –
Gráfico referente às recorrências temáticas
|
|
Figura
7 – Temáticas recorrentes distribuídas em 5 conjuntos.
Melgueira - 026.23 (Fonte: Kestering, 2007) Morrinho – 028.3 (Painel 02)
|
|
Figura 8 – Recorrência
Temática – RT – 16 (Kestering, 2007, p. 87)
São Gonçalo – 014.12 (Fonte:
Kestering, 2007 )/ Morrinho –
028.3 (Painel 01)
|
|
Figura 9 – Recorrência
Temática – RT – 17 (Kestering, 2007)
São Gonçalo – 014.12 (Fonte:
Kestering, 2007) / Morrinho –
028.3 (Painel 01)
|
|
Figura 10 – Recorrência
Temática – RT – 21 (Kestering, 2007, p.88)
Brejo de Dentro 017.16 (Fonte: Kestering, 2007) / Morrinho – 028.3 (Painel 01)
|
|
Figura 11 – Recorrência
Temática – RT – 22 (Kestering, 2007, p.88)
São Gonçalo – 014.9 (Fonte: Kestering,
2007) / Morrinho – 028.3 (Painel 03)
|
|
Figura 12 – Recorrência
temática RT-75 (Lima Filho, 2013, p. 123
São Gonçalo 014.11 (Fonte: Kestering, 2007) / Morrinho – 028.3 (Painel 01)
|
|
Figura 13 – Figura não recorrente NR - 57
|
|
Figura 14 - Figura não recorrente NR – 58 |
4. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Observações preliminares
permitem propor, em nível hipotético, que as figuras do Serrote do Morrinho,
por serem majoritariamente reconhecíveis pertençam à Tradição São Francisco.
Foram realizadas por grupos pré-históricos originários do Planalto Central do
Brasil e estabelecidos no Vale do São Francisco desde o final do Pleistoceno
até períodos relativamente recentes do Holoceno.
Por apresentarem
dominância temática diferente da que compõe a Subtradição Sobradinho pertencem
a uma subtradição a ser definida. As figuras da temática dominante da
Subtradição Sobradinho apresentam traços contínuos, em diagonal ascendente e
descendente, quando horizontais, ou da esquerda para a direita e vice-versa,
quando verticais. As figuras dominantes no Serrote do Morrinho representam
bastonetes paralelos. A identificação de uma
dominância temática diferente, relacionada com suportes de estrutura e composição
geológica diferentes sugere a ocorrência de uma subtradição que não a de
Sobradinho. Para que essa se comprove demandam-se outras pesquisas na região
que se situa ao sul do povoado de Piçarrão, no Município de Sento Sé –
BA.
—¿Preguntas,
comentarios? escriba a: rupestreweb@yahoogroups.com—
Cómo citar este artículo:
Kestering, Celito y Cavalcante Ribeiro, Morgana. Cognoscibilidade e temática dominantes nas pinturas rupestres do Serrote do Morrinho, em Sento Sé - Ba.
En Rupestreweb, http://www.rupestreweb.info/morrinho2.html
2013
REFERENCIAS
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do Brasil: Petrolina: Folha SC.
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HERNANDO, Almudena. Arqueología de la Identidad. Madrid:
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Recife. (Dissertação de Mestrado). 2001.
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Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, Universidade Federal de Pernambuco,
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2009.
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1994. Tradução de Carlos Afonso Malferrari. São
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