Contexto geoambiental do Serrote do Morrinho, em Sento Sé - BA, Brasil

Celito Kestering. Graduado em Filosofia, Psicologia e Sociologia pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL, 1974); Engenheiro Agrônomo pela Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco (FAMESF, 1980); Especialista em Realidade Brasileira, pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (IBRADES, 1981); Mestre em Pré-História (2001) e doutor em Arqueologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2007); Professor Adjunto 3 na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).
E-mail: celito.kestering@gmail.com; Fones: (74) 3538 2454; (74) 9193 2507 e (89) 3582 3338.

Morgana Cavalcante Ribeiro. Universidad Bacharelanda em Arqueologia e Preservação Patrimonial na Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF; Bolsista do Programa de Iniciação Científica – PIBIC.
E-mail: ribeiromorgana24@yahoo.com.br; Fones: (89) 9908 9913 e (89) 9400 3572.

 

RESUMO

 

O presente trabalho objetiva relatar o início do estudo acerca do Serrote do Morrinho, em Sento Sé – BA. É uma breve caracterização da área, com a descrição de aspectos geológicos, geomorfológicos e ambientais, como pré-requisitos para o estudo dos grafismos rupestres que existem no local. Quer-se desvendar o contexto ambiental pré-histórico com o qual se relacionaram os seus autores. Informações paleoclimáticas somadas à identificação de superposições e a distribuição espacial das pinturas rupestres nas vertentes ajudam a situá-las na dimensão temporal. Utilizam-se informações do banco de dados do Curso de Arqueologia e Preservação Patrimonial, obtidas durante a execução do Projeto Caracterização e Diagnóstico do Patrimônio Arqueológico do Médio São Francisco. Complementam-se as informações com uma pesquisa de campo, quando se preenchem fichas cadastrais e se faz o levantamento fotográfico das pinturas rupestres e do seu contexto.

 

Palavras-chave: Serrote do Morrinho. Contexto ambiental. Geologia. Geomorfologia.

 

 

ABSTRACT

 

This paper aims to report the beginning of the study about the Serrote Morrinho in Sento Sé - BA. It is a brief characterization of the area, describing aspects of geological, geomorphological and environmental, as prerequisites for the study of rock art graphics that are in place. It want to unravel the environmental context prehistoric with which the authors are related. Paleoclimate information added to identify overlaps and spatial distribution of rock paintings hillsides help to situate them in the time dimension. On use information from the database of the Course of Archaeology and Heritage Preservation, obtained during the execution of the Project Characterization and Diagnostics Archaeological Heritage Middle São Francisco River. On complement the information with a search field, when on fill out registration forms and makes the photographic survey of rock art and its context.

 

Keywords: Serrote do Morrinho. Environmental context. Geology. Geomorphology.

 

 

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva iniciar um estudo acerca do Serrote do Morrinho, localizado próximo ao povoado de Piçarrão, no município de Sento Sé – Bahia. É uma breve caracterização da área, nos aspectos geológicos, geomorfológicos e ambientais, como pré-requisitos para o estudo das pinturas rupestres que existem no local. Quer-se contribuir na ampliação do conhecimento acerca dos sítios arqueológicos da região do Submédio São Francisco e no reconhecimento da identidade dos grupos pré-históricos que ocuparam a região. O estudo da área do Serrote do Morrinho visa desvendar o contexto em que as pinturas rupestres foram feitas para, em seguida, realizar uma análise com base nos parâmetros da cognoscibilidade e da temática.

O estudo do ambiente ou do contexto é fundamental para a Arqueologia. Contexto é uma trama espacial e temporal que influencia a cultura. Ele promove caracteres específicos nos artefatos e no conjunto de achados arqueológicos (BUTZER, 1984, p. 4). Além disso, sugere os espaços que grupos pretéritos podiam ocupar para viver e realizar rituais próprios de sua cultura. É por isso que os arqueólogos empenham-se, sempre mais, em compreender o contexto do passado para identificar atributos culturais resultantes da relação dos grupos com o ambiente (BAHN E RENFREW, 1998, p. 241). Há que se considerar, porém, que o meio ambiente é dinâmico. É importante que o pesquisador tenha como referência essa dinâmica quando analisa artefatos e vestígios arqueológicos.

O ambiente influenciou na definição das temáticas das pinturas rupestres. Como parte do sistema de comunicação, elas sofreram mudanças, em função da modificação dos conhecimentos gerados pelo sistema cognitivo dos autores, diante das modificações da paisagem com que se relacionavam.

O ambiente influenciou, também, diretamente nas técnicas de realização que os grupos pré-históricos utilizaram para representar as temáticas das pinturas rupestres. É por isso que o estudo do contexto geológico, geomorfológico e ambiental das feições de relevo onde elas foram realizadas faculta o reconhecimento de atributos da identidade de seus autores. O reconhecimento de atributos da identidade dos autores valida, por sua vez, a identificação do território que eles ocuparam. Há que se observar, porém, a relatividade das proposições sobre o passado porque ele não pode ser compreendido de forma ampla vez que os vestígios são uma ínfima parte preservada de um dado período. Sua explicação e/ou interpretação sempre será eivada de subjetividade porque sofre influência da ideologia e/ou do paradigma do pesquisador. Mesmo assim, é possível reconhecer, nos artefatos, atributos factuais de identidade. Neles podem ser identificados gestos e comportamentos padronizados do processo de produção.

Identidade é o arquétipo a partir do qual os indivíduos e os grupos sociais constroem a idéia de quem são e estabelecem o padrão de relação com outros membros da própria espécie e com o ambiente, para garantir a sobrevivência e sucesso reprodutivo. Muitas espécies animais possuem atributos físicos que lhes bastam para a sobrevivência. Outras, entre as quais os humanos, por serem despossuídas de aptidões físicas vantajosas em relação às outras espécies e aos fenômenos ambientais, precisam desenvolver técnicas e comportamentos padronizados para suprir suas limitações (KESTERING, 2007, p. 20).

Rituais são comportamentos padronizados. São ações regulares e repetitivas empregadas pelos grupos para a realização de atividades técnicas e para a compensação das suas limitações físicas. Compensam-nas na relação com a paisagem e com outros grupos. É por isso que a busca pelo reconhecimento da identidade dos grupos pré-históricos que deixaram as marcas de sua presença em um determinado lugar e em um determinado período deve ser feita a partir do estudo do contexto ambiental. No processo de realização dos artefatos ou qualquer registro humano, os padrões motores dos indivíduos produzem marcas que se conservam e permitem o reconhecimento de atributos que definem a sua identidade.

Este trabalho contou com a utilização das informações do banco de dados do Projeto Caracterização e Diagnóstico do Patrimônio Arqueológico do Médio São Francisco, realizado por professores e estudantes do Curso de Arqueologia e Preservação da Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF, no período de 2008 a 2011. Ampliou-se o quadro de informações com uma nova prospecção no mês de novembro de 2012. Esta abrangeu toda a área do Serrote do Morrinho, bem como do seu entorno próximo onde se fez uma varredura de superfície, com observação acurada para averiguar se havia outros painéis de pintura rupestre, bem como outros artefatos históricos e pré-históricos.

Contou-se com a bibliografia disponível acerca do tema tratado (geologia local e pinturas rupestres), além do software GIMP Portable, dos programas COREL DRAW e FOTO PAINT, para a adaptação de fotos e do mapa da geologia local que pudesse facilitar a pesquisa arqueológica.

 

2. LOCALIZAÇÃO

O Serrote do Morrinho está localizado junto ao povoado de Morrinhos, no município de Sento Sé – BA, região Noroeste do Estado da Bahia, Submédio São Francisco. Em prospecções preliminares delimitou-se a área onde foram identificados painéis de pintura rupestre (Tab. 1 Fig. 1).

Nº.

Zona

UTML

UTMN

Altitude

Local

01

24

263166

8916499

451 m

Lado oeste

02

24

263321

8916643

454 m

Lado norte

03

24

263524

8916575

459 m

Lado nordeste

04

24

263539

8916378

473 m

Lado sudeste

05

24

263231

8916272

474 m

Lado sudoeste

Tabela 1- Coordenadas dos ângulos do perímetro do Serrote do Morrinho
(Fonte: Kestering, 2011, p. 142)


Figura 1 – Ângulos do perímetro da área (Fonte: Kestering, 2011, p. 142)

 

No mês de novembro de 2012, retornou-se ao local para complementar as informações com a realização de uma prospecção mais acurada no serrote e nas adjacências. Observou-se que o Serrote do Morrinho situa-se a 8 km ao sul da rodovia BA-210, a 11 km da borda do Lago de Sobradinho e a 22 km da margem direita do antigo leito do Rio São Francisco. Localiza-se a sudeste da ilha de Urucé e da antiga cidade de Sento Sé, hoje inundadas pelo lago artificial. Está a, aproximadamente, 7 km do povoado de Piçarrão, a 58 km da cidade de Sobradinho e a 100 km da atual sede do Município de Sento Sé (Fig. 2).

Figura 2 – Localização do Serrote do Morrinho
(Fonte: Google Earth, 2013, modifico pelos autores)

 

3. CONTEXTO HISTÓRICO

A menos de 300 m do Serrote do Morrinho reside o Sr. José Manuel Custódio (Fig. 3). O Sr. José Manoel tem 83 anos de idade. Informou que os primeiros moradores da antiga Fazenda Morrinho foram os membros da família de Feliciano. Eles criavam animais domésticos e plantavam mandioca, milho e feijão. Disse que, até onde se tem lembrança, foi “lá pelos anos de 1800”. Relatou que a casa de Feliciano era de taipa. Lembrou que, depois de Feliciano, muita gente passou a morar no lugar, formando um pequeno povoado. Acrescentou que, em meados de 1980, por ocasião da eleição de Quinzinho, foram todos embora. Ele ficou só no Serrote do Morrinho. Finalizou dizendo: “Só saio daqui, morto!”

 

Figura 3 – Sr. José Manuel Custódio, 83 anos.
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

O Sr. José Manuel Custódio nasceu em seis de janeiro de 1929. É filho de José Bernardino Custódio, que morreu em 1937, e de Isabel Maria de Jesus. É impressionante o seu apego com a terra, mesmo depois de todos terem ido embora.  Contou que, junto ao serrote, ele encontrou duas machadinhas, “pedras de corisco”. Infelizmente, esses artefatos pré-históricos não estavam mais na sua casa. Um deles foi levado para o estado de São Paulo por uma pessoa de sua família e o outro está no povoado de Piri, município de Sento Sé, onde mora a sua esposa.

Percebendo o interesse da equipe pelo assunto, Manoel mostrou uma base de pilão e um percutor (Fig. 4) que disse ter encontrado próximo ao olho d’água do Serrote do Morrinho. Informou que os guarda desde a sua juventude e que os utiliza para amassar tempero. No canto de sua casa há um fragmento de pilão que ele disse ter encontrado também, próximo ao olho d’Água do Serrote (Fig. 5).

 

Figura 4 - Pilão e percutor ainda utilizados
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
Figura 5 – Fragmento de uma base de pilão
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

 

A reutilização de artefatos pré-históricos por populações atuais reforça a hipótese da continuidade de costumes e de práticas milenares dos tapuias que ocuparam a região. É muito provável que os índios não foram exterminados como propõe a historiografia oficial. Relegando a sua identidade étnica, eles devem ter sobrevivido física e culturalmente, negociando com os colonizadores europeus o seu espaço nas lides agrícolas e pecuárias. Miscigenaram-se e fizeram-se vaqueiros, sem abandonarem as crenças, os rituais e as práticas milenares da caça, da pesca, da coleta e da agricultura de subsistência. Preservam tradições indígenas como o hábito dormir na rede e reverenciar a Juacema e o Caipora. As casas de farinha, de onde sai o produto manufaturado para a confecção de beijus, papas, mingaus, bolos de puba, bolos de macaxeira, tapioca e paçoca, continuam tendo os mesmos caracteres da pré-história de Sento Sé. É possível que o Sr. José Manoel Custódio seja um autêntico descendente dos grupos pré-históricos que deixaram impressos no Serrote do Morrinho, sinais do sistema de comunicação que ele, assim como os arqueólogos, não sabe decifrar porque não lhes foram repassados os códigos.

Na cozinha do Sr, José Manoel a água retirada da fonte, junto ao serrote é armazenada em vasos de cerâmica e grés (Fig. 6 e 7). Como ele, a maioria das famílias dos povoados do município de Sento Sé conserva essa tradição desde tempos imemoriais.

 

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Figura 6 – Vasos de cerâmica e grés onde se armazena água
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
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Figura 7 – Vaso de cerâmica usado para armazenar água
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

 

4. CONTEXTO GEOAMBIENTAL

O objetivo primordial de uma prospecção arqueológica é compreender como os povos pretéritos relacionaram-se com o espaço e a paisagem (BICHO, 2006). No estudo da área do Serrote do Morrinho procurou-se desvendar o contexto em que as pinturas rupestres foram feitas.


3.1 GEOLOGIA

As rochas que compõem o Serrote do Morrinho pertencem ao grupo geológico Metagranitóides de Regime Transcorrente da Tectogênese Transamazônica (Fig. 8). As rochas Metagranitóides pertencem ao conjunto de rochas metaplutônicas muito antigas de origem ígnea, magmática ou eruptiva. A Tectogênese Transamazônica ocorreu no Proterozóico Inferior, há, aproximadamente, dois bilhões de anos, quando começavam a parecer, no planeta, as primeiras formas de vida unicelular avançada e multicelular.

Os metagranitóides do serrote são constituídos de metagranitos porfiríticos (γ4). Eles jazem em contatos difusos com rochas do Complexo Ortognáissico Bandado (51) formado no Arqueano inferior, há, aproximadamente, quatro bilhões de anos (ANGELIM, 1997, p. 46)

 

morrinho
Figura 8 – Contexto geológico do Serrote do Morrinho
(Fonte: Angelim, 1997, modificado pelos autores)

3 .2 VEGETAÇÃO

A vegetação do entorno do serrote é a caatinga arbórea, constituída por espécies como Pereiro (Platycyamus regnellii); Marmeleiro (Cydonia vulgaris); Jurema (Mimosa tenuiflora); Coroa de frade (Melocactus bahiensis); Umbuzeiro (Spondias tuberosa); Umburana de Cambão (Commiphora Leptophloeos); Xiquexique (Cephalocereux gounellei); Mandacaru facheiro (Pilosocereus pachycladus); Angelim (Hymenolobium petraeum); Mandacaru de boi (Cereus jamacaru); Capoteiro (Sterculia speciosa); Maniçoba (Manihot sp.); Cansanção (Cnidoscolus vitifolius); Alecrim (Rosmarinus officinalis); Miroró (Bauhinia forficata), Pinhão roxo (Jatropha curcas); Juazeiro (Zizyphus joazeiro); Baraúna (Chinopsis brasiliensis); Aroeira-do-Sertão (Myracrodruon Urundeuva); Catingueira (Caesalpinia pyramidalis); Pereiro (Aspidosperma pyrifolium); Macambira (Bromelia laciniosa); Caroá (Neoglaziovia Variegata) e Cana fístula (Peltophorum dubium). Junto ao afloramento rochoso do serrote predomina o Angico (Anadenanthera macrocarpa) e a Favela (Cnidoscolus phyllacanthus) (Fig. 9).

 

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Figura 9 – Predominância de angico e favela
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

 

3.3 FAUNA

A fauna silvestre mais comum é constituída por insetos como o cupim (Crytotermes brevis), a formiga (Formicidae sp.) e a abelha (Apis mellifera); pássaros como a rolinha fogo apagou (Scardafella squammata), a jandaia (Aratinga solstitialis), o cancã (Cyanocorax cyanopogon, o carcará (Polyborus plancus), o gavião (Mivalgo chimachima), o sofrê (Icterus jamaicaii), o bentevi (Pitangus sulphuratus), o anum preto (Crotophagfa ani), o canário da terra (Sicalis flaveola), o casaca de couro (Pseudoseisura cristata), a coruja buraqueira (Speotyto cunicularia), o João-de-barro (Furnarius rufus), a asa branca (Patagioenas picazuro), o galo de campina (Paroaria dominicana) e a juriti (Leptotila verreauxi); roedores como o mocó (Kerodon rupestris) e o preá (Cavia aperea); tatus como o peba (Euphractus sexcintus), o tatu – bola (Tolypeutes tricinctus); outros mamíferos como o saruê (Didelphis aurita); cobras como a jararaca (Bothrops jararaca), a jibóia (Boa constrictor), a  cascavel (Crotalus durissus), a coral (Micrurus ibiboboca), a cipó bicuda (Oxybelis aeneus), a cipó verde (Philodryas aestivus) e lagartos como a iguana (Iguana iguana), a lagartixa (Phyllopezus policaris) e o calango de lajedo (Cnemidophorus ocellifer).

A fauna doméstica é representada pelo carneiro (Ovis aries), o bode (Capra hircus), o cavalo (Equus caballus), o burro (Equus asinus), o jumento (Equus africanus), o porco (Sus domesticus),  o boi zebu (Bos indicus) e boi europeu (Bos taurus).

 

3 .4  RECURSOS HÍDRICOS

Próximo ao serrote há uma fonte de água potável. Dela se serve o Sr. José Manoel Custódio e utiliza-a para dessedentação dos animais domésticos (Fig. 10). A água da fonte costuma estar coberta por uma camada de aguapé nativo (Eichhornia sp.) cujo sistema radicular agrega os colóides de argila em suspensão, filtrando-a (Fig. 11). O aguapé conserva a água cristalina e gelada mesmo quando a temperatura do ambiente é quente.

Não é de todo impossível que o costume de manter a vegetação na água foi ensinado pelos índios aos portugueses. Para retirar a água da fonte, afasta-se a camada de aguapé com o próprio recipiente que se utiliza para encher a vasilha (Fig. 12). Junto a essa fonte que é cercada para os animais domésticos não invadirem, há um solo pleistocênico compacto, chamado na região de arrecife ou piçarra (Fig. 13). Segundo relatos, o volume da água da fonte é sempre o mesmo. Somente em 1932, por ocasião da grande seca, diminuiu um pouco o seu nível.

A fonte localiza-se no leito de um pequeno afluente do Riacho do São Peregrino, nas coordenadas UTM24L 263297, UTMN 8916360, a 459 m de altitude.

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Figura 10 – Fonte permanente de água potável
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

Figura 11 – Aguapé nativo cobre a superfície da água
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

Figura 12 – Com o recipiente de coletar água, afasta-se o aguapé
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
Figura 13 – Piçarra do entorno da fonte de água
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

 

3. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

Realizou-se uma prospecção não-intrusiva, com observação sistemática da superfície do solo para identificação de estruturas e de artefatos das indústrias lítica e cerâmica, bem como, nos afloramentos rochosos e nos matacões, em busca de grafismos rupestres. O acesso ao local foi relativamente fácil, por conta da vegetação que é rala. Fez-se o registro fotográfico e o georreferenciamento dos sítios arqueológicos, dos artefatos e da paisagem.

 

4. RESULTADOS

Identificaram-se três sítios arqueológicos, caracterizados como Morrinho 1 – 028.1; Morrinho 2 – 028.2 e Morrinho 3 - 028.3 (Fig. 14).

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Figura 14 – Sítios arqueológicos identificados.
(Fonte: Google Earth, 2013, modificado pelos autores)

 

4.1 MORRINHO 1 – 028.1

O sítio Morrinho 1 – 028.1 é multicomponencial. Mede 450 m por 300 m. Possui orientação nordeste - sudoeste. Localiza-se nas coordenadas UTM24L 263325, UTMN 8916386, a 461 m de altitude. É um lugar plano, com solo arenoso e vegetação rala. Nele houve uma roça onde se plantava mandioca, feijão, melancia e milho. Encontraram-se artefatos pré-históricos como uma base de pilão (Fig. 7) e um núcleo de quartzito (Fig. 8) e históricos como fragmentos de louça, de cerâmica, de vidro e de metal (Fig. 15 a 21).

Figura 15 – Artefato pré-histórico (base de pilão)
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

Figura 16 – Artefato pré-histórico (núcleo de quartzito)
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
Figura 17 – Artefato histórico (fragmento de louça)
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
Figura 18 – Artefato histórico (fragmento de cerâmica)
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
Figura 19 – Artefato histórico (fragmento de vidro)
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
Figura 20 – Artefato histórico (fragmento de vidro)
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
Figura 21 – Artefato histórico (fragmento de metal)
(Foto: Acervo pessoal dos autores)


4.2 MORRINHO 2 – 028.2

O sítio arqueológico Morrinho 2 – 028.2 é constituído de um afloramento de metagranito porfirítico de regime transcorrente da Tectogênese Transamazônica em que se esculpiu e/ou se utilizou uma base fixa de pilão (Fig. 22). Sua orientação é nordeste - sudoeste, com abertura para o zênite. Tem 13,4 m de comprimento, 3,7 m de largura e 2,6 m de altura. Localiza-se nas coordenadas UTM24L 263347, UTMN 8916336, a 465 m de altitude (Fig. 23).

No município de Sento Sé é comum encontrarem-se bases de pilão, esculpidas em matacões ou fixas em afloramentos rochosos. Normalmente eles situam-se próximo a fontes de água ou no leito dos riachos, junto a solos agricultáveis onde, no período da pré-história entre outras culturas se plantava milho. Calderón et al. (1977, p. 35) afirmaram que, na pré-história “este cereal, como base alimentar, era pilado, moído ou triturado e utilizado de diversas maneiras na alimentação”.

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Figura 22 – Sítio arqueológico Morrinho 2 – 028.2
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

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Figura 23 – Base fixa de pilão
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

 

4.3 MORRINHO 3 – 028.3

O sítio arqueológico Morrinho 3 – 028.3 é constituído de um matacão com painéis de pintura rupestre. Trata-se de um metagranito porfirítico de regime transcorrente da Tectogênese Transamazônica. O matacão tem orientação noroeste – sudeste, com abertura para nordeste. Tem 2,9 m de comprimento, 2,0 m de altura e 0,5 m de largura (3). Localiza-se nas coordenadas UTM24L 263311, UTMN 8916316, a 463 m de altitude (Fig. 24 e 25).

3. Entende-se por largura a maior distância entre a linha de chuva e o suporte.


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Figura 24 – Sítio arqueológico Morrinho 3 – 028.3
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
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Figura 25 – Matacão com painéis de pintura rupestre
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

 

O matacão está sofrendo desplacamento causado pela oscilação térmica que decorre, principalmente das mudanças de temperatura entre o dia e a noite. Outros agentes como água, insetos e microorganismos aceleram a sua desagregação (BRUNET, VIDAL E VOUVÉ, 1986). As pinturas estão bastante desgastadas por causa de sua exposição ao sol, ao vento e à chuva. Além disso, há raízes de xiquexique (Cephalocereux gounellei) (Fig. 26), urina e fezes de mocó (Kerodon rupestris) (Fig. 27) muito próximas às pinturas.

 

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Figura 26 – Xiquexique fixo no suporte
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
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Figura 27 – Fezes e urina de mocó
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

 

Segundo Brunet, Vouvé e Vidal (1986) os vegetais presentes na rocha podem destruir por três vias diferentes: a química, a mecânica e a microbiológica. Pela via química porque produzem ácidos húmicos que atacam o cimento rochoso, desintegrando-o. Pela via mecânica porque as raízes fixas no suporte necessitam de espaço para crescerem e, assim, aumentam as fendas das rochas. Pela via microbiológica porque as plantas retêm umidade, gerando um microclima ideal para a proliferação de microorganismos.

 

4.3.1    Pinturas rupestres

Identificaram-se quatro painéis de pintura rupestre com um total de nove figuras. Todas são reconhecíveis. Representam temáticas variadas. Foram pintadas com tinta vermelha e com pincéis de largura média (Fig. 28 a 35).

Figura 28 – Painel 01, com quatro figuras reconhecíveis.
(Fonte: Kestering, 2011, p. 144)
Figura 29 – Imagem vetorizada do painel 01

Figura 30 – Painel 02, com três figuras reconhecíveis.
(Foto: Acervo pessoal dos autores)

Figura 31 – Imagem vetorizada do painel 02

Figura 32 – Painel 03, com uma figura reconhecível
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
Figura 33 – Imagem vetorizada do painel 03
Figura 34 – Painel 04, com uma figura reconhecível
(Foto: Acervo pessoal dos autores)
Figura 35 – Imagem vetorizada do painel 04

 

 

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A caracterização da área do Serrote do Morrinho, envolvendo aspectos geológicos, geomorfológicos e ambientais como pré-requisito para o estudo de grafismos rupestres foi realizada com base na bibliografia disponível e na pesquisa de campo. Durante essa última, ampliou-se o conhecimento do contexto geoambiental atual da área. A partir dele quer-se fazer inferências sobre a paisagem antiga com a qual se relacionaram os grupos pré-históricos que ocuparam a região. O contexto ambiental desvendado, a existência de artefatos e um quadro teórico testável dão confiabilidade científica às explicações sobre o mapa cognitivo dos grupos pré-históricos (KESTERING, 2007).

Desvendada parte do contexto ambiental, proceder-se-á a análise das pinturas para classificá-las com base nos parâmetros da cognoscibilidade e da temática. Por ser estrutural, o parâmetro da cognoscibilidade permitirá identificar invariâncias nos atributos da identidade dos autores. Essas invariâncias são indicativas da ligação destes com seus ancestrais.

Por ser variável, em consequência da relação dos autores com diferentes ambientes, o parâmetro da temática possibilitará, por sua vez, identificar especificidades nos atributos dos grupos que efetivamente ocuparam o Serrote do Morrinho e o seu entorno. Enfatizar-se-á a identificação da temática dominante, estribados no pressuposto de que ela é o atributo cultural de maior relevância porque resulta de uma prolongada relação dos autores com a paisagem local, singularizando atributos gráficos de sua identidade. A particularização dos atributos da identidade fundamenta-se, também, na preferência ou disponibilidade de suportes para a realização das pinturas (KESTERING, 2007).

 

¿Preguntas, comentarios? escriba a: rupestreweb@yahoogroups.com

Cómo citar este artículo:

Kestering, Celito y Cavalcante Ribeiro, Morgana. Contexto geoambiental do
Serrote do Morrinho, em Sento Sé - BA, Brasil.
En Rupestreweb, http://www.rupestreweb.info/morrinho.html

2013

 

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BICHO, Nuno Ferreira. Manual de arqueologia pré-histórica. Lisboa, Portugal: 70 Compêndio, 2006.

 

BRUNET J., VIDAL P., VOUVE J., 1986. Paris, Conservation De L’art Rupestre, Etudes et Documents sur le Patrimoine Culturele, N°7, Unesco, 108 p.

 

BUTZER, Karl W. Arqueología una ecologia del hombre. Barcelona: Bellaterra, 1984.

 

CALDERÓN, Valentin; JÁCOME, Yara Dulce Bandeira de Ataíde; SOARES, Ivan Dorea Cancio. Relatório das atividades de campo do Projeto Sobradinho de Salvamento Arqueológico. 1977. 75 p.

 

GOOGLE EARTH. US Depto State Geographer. Maplink / Tele Atlas. 2013. Acesso em 20 de Janeiro de 2013.

 

KESTERING, Celito. Identidade dos grupos pré-históricos de Sobradinho-BA. Recife: UFPE, 2007. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.

 

______. Patrimônio Arqueológico de Sento Sé – BA. 2011 (Prelo).

 


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