Sítios de pinturas rupestres en duas localidades entre Curaçã e Juazeiro, Bahia


Cristiana de Cerqueira Silva Santana.
Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Coordenadora do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB. Pós-doutorado em Arqueologia. E-mail: ccsilva@uneb.br cristiana_santana@hotmail.com.

Hélio Augusto de Santana. Diretor da empresa HAS Consultoria Arqueológica. Colaborador externo do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB – Campus VII. Especialista em Educação Ambiental.

Joyce Avelino Bezerra Santana. Consultora da HAS Consultoria Arqueológica Colaboradora externa do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB. Doutoranda em Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe.

Gilmar D’Oliveira Silva. Consultor da HAS Consultoria Arqueológica. Colaborador externo do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB – Campus VII. Especialista em Educação Ambiental.

Noelia Souza Vieira. Gerente de Pesquisa da HAS Consultoria Arqueológica. Colaboradora externa do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB – Campus VII. Licenciada em Ciências Biológicas.

Manoel Augusto de Santana. Professor do Município de Itiúba, Bahia. Colaborador externo do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB – Campus VII. Especialista em Gestão Ambiental.



RESUMO

O artigo apresenta o levantamento realizado em uma área situada entre os municípios de Juazeiro e Curaçá, no norte do estado da Bahia, inserido na bacia do Rio São Francisco, uma das principais bacias hidrográficas do Brasil, mas distante aproximadamente 70 km do curso principal desse rio. A região tem histórico de muitos sítios arqueológicos, em especial de arte rupestre, conhecidos desde a década de 1970. Durante os estudos de campo foram localizados dois sítios de arte rupestre, contendo pinturas vermelhas, majoritariamente geométricas. Ambos os sítios estão relacionados a locais de relevância regionais: um deles associado a um dos poucos espaços com água permanente daquela região extremamente árida, o outro situado no topo de uma serra de grande destaque paisagístico.  

Palavras-chave: rochedos, pinturas, paisagem semiárida.  

ABSTRACT

This article describes the research in an area located between the municipalities of Juazeiro and Curaçá in the north of Bahia, located on the basin of the São Francisco River, a major river basins of Brazil, but far about 70 km from the main course of this river. The region has a history of many archaeological sites, especially rock art, known since the 1970s During the field studies were located two rock art sites containing red paintings, mostly geometric. Both sites are related to regional relevance sites: one associated with one of the few areas with standing water that extremely arid region, the other situated on top of a large mountain.  

Keywords: rocks, paintings, semiarid landscape.


IntroducciÓN

Este artigo descreve os levantamentos arqueológicos efetuados entre os municípios de Curaçá e Juazeiro, ao norte da Bahia, cujos levantamentos realizados pela equipe do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da Universidade do Estado da Bahia – Campus de Senhor do Bonfim, ocorrem desde 2001, por meio de pesquisas acadêmicas e mais intensamente a partir de 2007 impulsionadas pelos estudos preventivos para licenciamentos de minerações na região.

A área objeto deste estudo insere-se na mesorregião do Vale São-Franciscano da Bahia, microrregião de Juazeiro, mais especificamente entre os municípios de Juazeiro e Curaçá, sendo uma área banhada por cursos hídricos majoritariamente intermitentes que compõem a bacia hidrográfica do São Francisco. A área de estudo encontra-se a aproximadamente 70 km em linha reta de distância do curso principal do rio São Francisco.

Cabe aqui destacar, a título de introdução, alguns estudos arqueológicos existentes acerca dessa mesorregião Vale São-Franciscana, mas especificaremos aqueles realizados no seu trecho correspondente às microrregiões de Juazeiro (a qual inclui o município de Curaçá) e a de Paulo Afonso que se limita com a área da pesquisa.

A microrregião de Juazeiro é composta pelos seguintes municípios: Campo Alegre de Lourdes, Casa Nova, Curaçá, Juazeiro, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé e Sobradinho. A microrregião de Paulo Afonso é formada pelos municípios de Abaré, Chorrochó, Glória, Macururé, Paulo Afonso e Rodelas.

Os primeiros estudos realizados nessa área remontam a década de 1970, a partir das pesquisas do arqueólogo Valentin Calderón que foi professor na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e um dos fundadores da Associação de Arqueologia e Pré-História da Bahia (AAPHBA). Calderón, que pesquisou grande parte do território baiano, localizou na região do São Francisco, especificamente no município de Curaçá, dois sítios (Cadastrados no Sistema do CNSA do IPHAN em 1997) além de vários outros nos municípios de abrangência do lago de Sobradinho, tais como Remanso (quatro sítios), Pilão Arcado (três sítios) e Casa Nova (10 sítios) (CALDERÓN et al. 1977). Essas pesquisas de Calderón e equipe foram realizadas no âmbito dos estudos arqueológicos que antecederam a implantação da Usina Hidrelétrica de Sobradinho pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF).

Em seguida, durante a década de 80, já dentro do Projeto de Salvamento Arqueológico para uma nova hidrelétrica da CHESF, a de Itaparica do São Francisco, desenvolvido pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA, em convênio com a CHESF, e tendo à frente as arqueólogas Leila Almeida e Verbena Galvão, efetuaram-se pesquisas em mais de uma centena de sítios arqueológicos distribuídos entre os municípios de Abaré, Chorrochó, Glória, Macururé, Paulo Afonso e Rodelas, municípios pertencentes à microrregião de Paulo Afonso (UFBA, 1989). Ainda dentro da expansão de hidrelétricas no rio São Francisco, entre final da década de 80 e a década de 90 a CHESF, em convênio com a Universidade Federal de Sergipe, cria o Projeto Arqueológico Xingó que registrou no município de Paulo Afonso 41 sítios arqueológicos sendo 32 de Arte Rupestre e nove contendo materiais cerâmicos e líticos (MARQUES, 2008).

As pesquisas na região de Juazeiro, Sobradinho e Casa Nova são retomadas por Kestering ao final da década de 90 (KESTERING, 2001; 2007).

Em 2001, com a criação do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da Universidade do Estado da Bahia, inserido no Campus de Senhor do Bonfim, localizado na mesorregião Centro-Norte da Bahia, os estudos arqueológicos se iniciam em alguns dos municípios integrantes dessa mesorregião, bem como retomados em outros municípios, já que Calderón possuía levantamentos em alguns desses. Nesse mesmo período retomamos pesquisas também em alguns municípios ao norte da Bahia como Curaçá e Juazeiro.

Apesar do cadastro de sítios arqueológicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) não contemplar todos os sítios registrados e estudados na região de Curaçá, Juazeiro e arredores, esses se apresentam indiscutivelmente em grande quantidade, principalmente no que se referem aos sítios de Arte Rupestre, de habitação e acampamentos contendo material lítico e cerâmico, além de oficinas líticas, conforme descrições cadastrais do IPHAN.

Para o município de Curaçá o Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do IPHAN informa a existência de dois sítios localizados por Valentin Calderón na década de 70: Saloba e Serrote. Outros quatro foram localizados por Etchevarne em 2007: Curral Velho, Fazenda Salão, Poço Grande e Serrote do Velho Chico. Esses sítios compreendem espaços de cemitérios, acampamentos, habitações e de representações rupestres.

O município de Juazeiro apresenta o registro realizado por Calderón e equipe de dois sítios denominados Juacema e Serra de São Gonçalo; outro sítio denominado Laranjeiras foi localizado por Etchevarne em 2007. Os sítios compreendem um cerâmico com pilão de pedra (Juacema) e os demais com representações rupestres.

Com base nesse rico histórico de levantamentos arqueológicos considerou-se como hipótese para as atividades de campo que toda a região teria sido durante o período pré-colonial intensamente requisitada e ocupada por diferentes grupos humanos.

 

LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DA PESQUISA

Curaçá e Juazeiro estão totalmente inseridos no submédio São Francisco, território de identidade Sertão do São Francisco (Figura 1).

Figura 1. Localização dos municípios de Curaçá e Juazeiro no território de
identidade Sertão do São Francisco (modificado de SEI, 2013).

No que se referem aos indicadores ambientais dos municípios, estes apresentam clima tipo árido, com temperatura média anual de 25,7ºC, chuvas mal distribuídas com período seco demorado e chuvoso apenas entre os meses de janeiro a abril. A pluviosidade média é muito baixa compreendendo 439,8 mm anuais. O solo da região corresponde aos tipos Planossolo, Luvissolo, Cambissolo, Neossolo e Vertissolo. A geomorfologia compreende a do Pediplano Sertanejo, com Várzeas e Terraços Aluviais. A vegetação característica varia de Caatinga Arbórea Aberta, sem palmeiras, Caatinga Arbórea Densa, com palmeiras, Caatinga Parque, com palmeiras e sem palmeiras e Caatinga Arbórea Densa, sem palmeiras (SEI, 2013).

A região específica da pesquisa apresenta vegetação extremamente rarefeita, tipicamente de caatinga aberta, onde predominam arbustos, subarbustos e cactáceas entre árvores muito espaçadas.

Na região de estudo as fontes de água mais comuns se referem aos riachos temporários que só apresentam água durante o período chuvoso, existindo, contudo, poucos corpos hídricos permanentes. O Poço Grande localizado no povoado de Poço de Fora, Curaçá constitui um dos raros mananciais naturais permanentes da área.

METODOLOGIA

Os municípios de Curaçá e Juazeiro estão inseridos no médio-baixo São Francisco e esta inserção em uma bacia hidrográfica tão importante do ponto de vista da Arqueologia os colocam como municípios detentores de grande potencial arqueológico, conforme descrito.

Levando-se em consideração que os rios serviram na pré-história como principais vias de circulação para grupamentos humanos (PROUS, 1992) pode-se considerar que o São Francisco foi uma das mais importantes vias, dentro dos atuais domínios dos estados do nordeste brasileiro, incluindo-se a Bahia e do centro do Brasil (pelo estado de Minas Gerais), para a movimentação de grupos humanos entre o centro do Brasil e o litoral nordestino.

Segundo Prous (1992) normalmente a escolha do ambiente a ser ocupado por grupos humanos durante a pré-história dependia da proximidade das fontes dos recursos básicos e vitais, tais como água, bem como dos locais de caça e coleta. Devendo-se considerar a água como o recurso mais imediato e, por esse motivo, o que deveria estar mais próximo do acampamento, ou habitação.

A área específica da pesquisa, embora se apresente distante do rio São Francisco cerca de 70 km, encontra-se recortada por vários riachos temporários e por aguadas que são consideradas pela população local atual como fonte de recursos hídricos durante o período das chuvas e seus meses subsequentes. Por esse motivo, as bordas dos riachos e outros corpos d’água foram considerados como altamente propícias à ocorrência de sítios arqueológicos.

Os abrigos e semiabrigos rochosos, além de paredões e lajedos também são espaços onde normalmente se reportam a existência de sítios arqueológicos de Arte Rupestre (PROUS, 1992; GASPAR, 2003).

Assim, com base nas características geológicas da região e nas características dos ambientes em que normalmente se instalaram os sítios arqueológicos pré-coloniais de arte rupestre considerou-se para fins de pesquisa de campo que: esses sítios deveriam estar localizados preferencialmente nas bordas dos riachos, próximos a olhos d’água ou em abrigos, semiabrigos ou paredões rochosos. Tendo sido esses os ambientes onde as observações foram redobradas. Assim, durante pesquisa realizada no ano de 2007 foram localizados dois sítios de arte rupestre: Poço Grande (cadastrado no IPHAN por Etchevarne em 2007) e Serrote do Pinhão Grande

 

SÍTIO POÇO GRANDE

O sítio Poço Grande se localiza no Povoado Poço de Fora, Curaçá. É de pintura rupestre situado em um paredão que bordeja o rio perene Poço de Fora e que forma na área do sítio um amplo lago (Figura 2). O acesso ao sítio é fácil, constituindo uma importante área de lazer para a comunidade de Poço de Fora e arredores.

As Pinturas

As representações rupestres nesse sítio se estendem por paredes e tetos de pequenas reentrâncias da rocha aonde o rio se encaixa formando um pequeno cânion.

As figurações se concentram até uma altura de aproximadamente 1,5 m de altura em relação a base rochosa.

As pinturas desse sítio se caracterizam por figurações geométricas (ziguezagues, círculos raiados, círculos concêntricos) em vermelho e amarelo (Figuras 2, 3 e 4). A maior parte das figuras aparece em linhas grossas, tendo sido pintadas com o dedo.

Por se localizarem muito próximas ao Povoado e por ser área de intensa visitação e uso o sítio mostram sinais claros de degradação, com riscos e nomes sobre e ao redor de algumas figuras (Figura 4).

Figura 2. Acima vista da área do sítio que ocupa uma posição estratégica, próximo a um lago
permanente (localmente denominado Poço Grande). Abaixo: vista geral de uma das áreas de pinturas
(manchas vermelhas) do sítio Poço Grande, Poço de Fora, Curaçá, Bahia.
Figura 3. Motivos geométricos, em vermelho e amarelo, do Sítio Poço Grande.
Figura 4. As setas em vermelho sinalizam as pinturas rupestres e os circulados negros,
os pontos pichados no sítio Poço Grande.


O entorno do painel e possibilidades de escavação

Nas proximidades do sítio, os cortadores de paralelepípedos se utilizam dos rochedos para a confecção de blocos tornando a área ainda mais suscetível à destruição patrimonial. Em um dos cortes de rocha levado ao Povoado para ser usado como pavimento, a Profa. Railda Vieira, moradora de Poço de Fora, percebeu que o mesmo apresentava duas reentrâncias polidas e contatou a equipe a fim de identificá-lo. A partir da observação concluiu-se que a peça referida era um pilão duplo de pedem granito (Figura 5); o mesmo foi doado ao Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB.

Figura 5. Pilão de Pedra (pilões geminados) retirado por talhadores de
rochas em pedreira próxima ao sítio Poço Grande.

A área imediatamente ao redor (laterais e fundo) do sítio foi investigada, mas, não se encontrou novas evidências. Relatos coletados junto à comunidade de Poço de Fora indicam que o Poço Grande sempre foi um lago permanente, mas, que fora ampliado há muitas décadas. Acreditamos na hipótese de que a ampliação do lago possa ter mobilizado sedimentos que poderiam conter vestígios e, com isso, se perdido informações, por esse motivo optou-se por não escavar a área.

SÍTIO SERROTE DO PINHÃO GRANDE

O sítio Serrote do Pinhão Grande situa-se no alto do serrote de mesmo nome, na localidade de Bela Vista, estando na divisa dos municípios de Juazeiro e Curaçá.

O acesso ao sítio é difícil e consiste em uma subida íngreme, com muitas rochas soltas e roladas do topo da serra (Figura 6). Do alto do sítio, que se apresenta como um semiabrigo é possível se visualizar uma ampla vista do horizonte com 180o em campo de visão livre.

Figura 6. Vista geral da serra onde se localiza o sítio Serrote do Pinhão Grande,
com destaque para o acesso com rochas soltas.

As Pinturas

As representações rupestres nesse sítio se estendem de um lado a outro dentro da proporção do semiabrigo, mas, estão mais concentradas na porção central abrigada, até uma altura de aproximadamente 3 m.

Essas pinturas se apresentam na cor vermelha, com motivos geométricos (ziguezagues, trançados, círculos radiados, círculos concêntricos) e prováveis biomorfos, aparecem ainda figuras semelhantes a antropomorfos (Figuras 7 e 8), porém sem certeza devido à difícil visualização em face do intemperismo local. Os grafismos abstratos, ou geométricos, se sobrepõem amplamente sob os zoomorfos.

A maioria das figuras aparece em linhas grossas, algumas semelhantes à biomorfos preenchidos (Figura 7 e 8), tendo sido pintadas com o dedo, mas outros traços mais finos são sugestivos para uso de pincéis (galhos).

Muitas figurações encontram-se esmaecidas pela ação do sol, em decorrência da exposição aos raios solares sempre a partir da 11:00 h. Outras pinturas apresentam-se recobertas por escorrimento salino (Figuras 8 e 9).

Figura 7. Representação de algumas das pinturas presente no paredão do semiabrigo.
Figura 8. Motivos geométricos em vermelho do sítio Serrote do Pinhão Grande. As figuras apresentam-se esmaecidas em decorrência da exposição aos raios solares sempre a partir da 11:00 h.
Figura 9. Algumas pinturas esmaecidas e recobertas por sal, presentes no semi-abrigo.


O entorno do sítio Serrote do Pinhão Grande e a escavação

De acordo com os depoimentos de três proprietários de fazendas próximas ao Sítio Serrote do Pinhão Grande, Srs. Antônio, Pedro Alcântara e Francisco Marinho, era comum se encontrar pilões de pedra nas redondezas do sitio. O Sr. Francisco Marinho doou ao Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB, um dos pilões que estava em sua posse e fora encontrado na área do sitio (Figura 10).

Figura 10. Pilão de pedra encontrado nas proximidades do sítio Serrote do
Pinhão Grande por Sr. Francisco Marinho que o doou ao LAP/UNEB.

Atualmente a área do sítio é utilizada como curral para caprinos, pois, possibilita abrigo seguro. O sítio apesar de se apresentar com características potenciais de habitação, pois, possui área semiabrigada e plana.

A área escavável do sítio Serrote do Pinhão Grande apresentava 15 m. de comprimento por 7 m. de largura máxima.

A escavação foi baseada em uma malha de quadriculamentos que cobriu toda a superfície escavável (Figura 11). O sítio teve as seguintes intervenções: levantamento fotográfico, realização de croquis e desenhos, limpeza de superfície e realização de escavações por quadrículas de 1m x 1m com rebaixamento de 10 em 10 cm.

Figura 11. Sítio quadriculado e pronto para a escavação.

A área de escavação foi aberta inicialmente de forma aleatória, a fim de se identificar os locais possíveis de escavação, já que ocorriam muitos blocos rochosos no sítio; essa metodologia serviu também para identificar o local de maior concentração de vestígios dentro do sítio. Ao final a área possível de escavação (aquela com menos blocos caídos e com mais sedimento) foi a porção central do sítio.

O inicio das intervenções no Pinhão Grande aconteceu com a limpeza parcial da área do sítio, pois estava com muita rocha solta, além de algumas áreas conter aproximadamente 5 cm de esterco de caprinos, pois este era usado por animais que se alimentavam nas proximidades e utilizavam a área como abrigo. Foram coletados alguns fragmentos de vidro que estavam sobre a superfície, abaixo da camada de esterco.

As quadrículas foram escavadas até chegar à base rochosa (lajedo) que se estendia desde o paredão rochoso, mesmo em algumas quadrículas estéreis a escavação seguiu até sua base para constatações finais. A camada sedimentar em algumas áreas do sítio se mostrou bastante rasa não ultrapassando 20 cm e em outras áreas, no centro do abrigo, chegou ao máximo de 50 cm.

Durante as escavações foram realizadas análises de detalhes, as rochas foram desenhas de acordo com a sua posição e coletadas aquelas que estavam dentro do contexto arqueológico.

A única estrutura presente se referiu a uma pequena fogueira (Figura 12) localizada a 10 cm da superfície, com espessura variando de 6 a 20 cm, contendo poucos carvões, cinzas e alguns pequenos ossos. A fogueira estava situada no local de melhor proteção do abrigo (Figura 13).

Figura 12. Perfil da única fogueira do sítio.
Figura 13. Mapa de situação, quadriculamento e localização da fogueira dentro
do sítio Serrote do Pinhão Grande. Composição: Gilmar Silva.

Cada quadrícula e nível foi peneirado separadamente em peneira com malhas de 3 mm com exceção do sedimento de fogueira que foi apenas parcialmente peneirado, pois, parte desse sedimento foi coletado sem peneiramento, devido o aparecimento de pequenos fragmentos ósseos. Esse sedimento não peneirado da fogueira seguiu para procedimento em laboratório, para que não se perdesse material e se pudessem observar melhor quaisquer outros vestígios que por ventura não tenham sido identificados durante as escavações, mas, as análises mostraram apenas os mesmos ossos caracterizados como de pequenos roedores. Os carvões foram coletados para a realização de análises e datações.

Na escavação, os vestígios identificados foram poucos, as quadras estavam na sua maioria estéreis. Os vestígios identificados constaram de pequenas lascas e fragmentos de quartzo, alguns fragmentos de ossos de animais de pequeno porte, rochas queimadas e carvões. Em nenhum espaço do sítio se encontrou vestígios de ocres que pudessem ser associados aos momentos da pintura do painel rupestre.

Findada a escavação do sítio, observou-se que ocorreram vestígios unicamente na área em que foi localizada a fogueira. Sendo sugestivo que o sítio poderia ter sido um local voltado para uma permanência mais efêmera.

Ao final foram escavadas 30 quadrículas no espaço semiabrigado. Foram também realizadas sondagens na área exterior e estas se apresentaram pouquíssimos vestígios em quartzo, bem como mínima espessura do pacote sedimentar (entre 10 e 15 cm).

 

CONSIDERAÇÕES

Tanto o sítio Serrote do Pinhão Grande como o Poço Grande chamam a atenção em decorrência das características estéticas e simbólicas que apresentam, e pela presença dos pilões que os tornam favoráveis à existência de habitações ou acampamentos próximos.

O localmente denominado ‘Poço Grande’ se forma no leito do rio Poço de Fora, em um trecho de lajedos que se abaciam na área do sítio e resulta em um amplo reservatório. É comum na caatinga darem nomes aos corpos de água, por serem extremamente importantes no semiárido e constituírem marcadores territoriais. Nesse sentido, denominações como: poço de fora, poço de dentro, poço grande, caldeirão grande, etc., são termos comuns que designam locais que apresentam uma relação direta com a sobrevivência das comunidades rurais do semiárido nordestino. Esse poço, por exemplo, foi tão importante para a ocupação local que, segundo narrativas dos moradores atuais da área, ele foi o principal atrativo para o início do povoado histórico de Poço de Fora. Vale destacar que a região é de clima semiárido a árido, que embora pertença à bacia do São Francisco a drenagem local é caracterizada por rios e riachos intermitentes e que no período de seca normalmente estão sem água. Na área de estudo, um dos poucos mananciais de água corrente, inclusive durante as estiagens prolongadas é justamente o rio Poço de Fora.

Segundo as informações orais o ‘Poço Grande’ foi encontrado por um escravo fugitivo que perambulava nas redondezas à procura de água durante um grande evento de seca que assolava a região. Não se sabe ao certo o período, mas, os depoentes mais idosos informam que foi anterior ao ano de 1850. Relatam que este escravo, ao encontrar o Poço Grande e dele se abastecer, informou a sua existência àquele que seria o primeiro fazendeiro a se apossar das terras locais. Essa história é corroborada por Lopes (2000), quando detalha sobre a fundação de Poço de Fora e salienta que durante o período da escravidão, em uma fase de grande seca, um negro fugitivo encontrava-se errante quando se deparou com o poço grande. Ali se banhou e se abasteceu, mas, não podia demorar porque estava sendo perseguido. Salienta o autor que esse negro encontrou em seguida um criador na companhia de dois filhos e um escravo e que por ali estava à procura de terras boas para se instalar. Desse encontro o fugitivo informou sobre o poço grande para não ser entregue pelo criador. A partir de então, o fugitivo partiu e o criador trouxe para aquela região de águas permanentes o seu rebanho. A partir dessa data inicia-se o processo de povoação de Poço de Fora

Com relação específica ao sítio Serrote do Pinhão Grande, ainda que o abrigo seja do ponto de vista ambiental ideal para acampamentos ou moradia, a escavação não indicou elementos suficientes que sugerissem usos cotidianos e intensos do abrigo.

Ao se analisar a espacialidade intra-sítio observa-se que a área fica exposta à insolação a partir da metade da manhã e, caso os ocupantes da área não tivessem construído proteções contra os raios solares, a ocupação desses setores seria pouco atrativa. Vale salientar também que durante as escavações não se observou nenhuma estrutura do tipo ‘buracos de estaca’ que pudessem sugerir anteparos de madeiras e palhas. Consideramos ainda que, apesar da área do sítio ser favorável a uma ocupação mais demorada, a pouca quantidade de vestígios oriundos da escavação parece indicar que o espaço estaria mais relacionado com uma frequência humana pouco prolongada. A existência das pinturas indica obviamente a importância simbólica do sítio e a nossa hipótese para a existência de apenas uma fogueira remete talvez a um caráter cerimonial em que o fogo estivesse associado.

Por outro lado, levando-se em consideração o fator visibilidade a partir do sítio, observa-se a ampla visão do entorno que o mesmo proporciona. Do sítio é possível se controlar visualmente um campo de mais de 180o completamente livre; dele é possível ver outros pontos geográficos (pequenos morros e leitos de riachos) ao redor. A ampla visibilidade a partir do sítio demonstra ser esse um local importante e estratégico para controle visual da região. Além disso, a relação visual do sítio não se detém apenas à percepção a partir do mesmo, mas a serra (o sítio) assume especial destaque no relevo local. Este serrote é visível desde grande distância e por meio dele é possível se ter boa noção de localização espacial em terra, podendo ser considerado como um importante marco paisagístico.

Analisando-se ainda o sítio a partir dessa aproximação paisagística relacionada ao seu papel enquanto marco importante na paisagem, observa-se que o Serrote do Pinhão Grande ocupa na região uma centralidade e expressão paisagística estratégica. Atualmente o serrote encontra-se cercado de caminhos que se cruzam em um ambiente entrecortado por leitos secos de riachos, mas que em épocas de chuvas alagam-se aos pés do serrote. A paisagem local se estrutura voltada às diversas faces do serrote e sua relação com esses riachos.

Seja pelo fator água ou expressividade paisagística, o certo é que os locais com água não são comuns na região. As altas serras também não seriam lugares despercebidos. Assim, escolher locais abundantes em recursos hídricos ou excepcionais em destaque paisagístico, incorporá-los aos simbolismos culturais por meio de marcas pintadas ou gravadas seriam possibilidades tangíveis. Conforme salienta Ribeiro (2006, p. 299), acerca de sua pesquisa sobre sítios de arte rupestre em áreas de serras “certamente estas especificidades das paisagens naturais regionais influenciaram as pessoas na pré-história”.

O fato de não achar dentro das áreas desses sítios sinais de atividades corriqueiras corrobora o pensamento de que esses seriam estritamente cerimoniais. Sobre a excepcionalidade desses tipos de sítios, Sven Ouzman afirma quando discorre acerca de grupos tradicionais históricos, que as gravações e pinturas usadas para a marcação de lugares estão relacionadas indubitavelmente a um fato excepcional dentro do cotidiano daqueles (OUZMAN, 1998).

¿Preguntas, comentarios? escriba a: rupestreweb@yahoogroups.com


Cómo citar este artículo
:

Silva Santana, Cristiana de Cerqueira; de Santana, Hélio Augusto; Bezerra Santana, Joyce Avelino; D’Oliveira Silva, Gilmar; Souza Vieira, Noelia; de Santana, Manoel Augusto.
Sítios de pinturas rupestres en duas localidades entre Curaçã e Juazeiro, Bahia.

En Rupestreweb, http://www.rupestreweb.info/curacaejuazeiro.html


2015

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALDERÓN, V; JACONE, Y. D. B. A.; SOARES, I. D. C. Relatório das atividades de campo realizadas pelo Projeto Sobradinho de salvamento arqueológico. Salvador, Convênio AAPHBA/CHESF, 73 p. 1977.

GASPAR, M. A Arte Rupestre no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. IPHAN. Cadastro de Sítios Arqueológicos. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 2014. Disponível em: http://www.iphan.gov.br Acessado em: 21 de junho de 2014.

KESTERING, C. Registro Rupestres na Área Arqueológica de Sobradinho-BA. 2001. 225 f. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2001.

KESTERING, C. Identidade dos grupos pré-históricos de Sobradinho – BA. 2007. 200 f. Tese de doutorado. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.

LOPES, E. Caminhos de Curaçá. Curaçá: Gráfica Franciscana, 2000.

MARQUES, J. Cultura Material e Etnicidade dos Povos Indígenas do São Francisco Afetados por Barragens: um Estudo de Caso dos Tuxá de Rodelas, Bahia, Brasil. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia-UFBA, Salvador, 2008.

OUZMAN, S. Towards a mindscape of landscape: rock art as expression of world - understanding. In: CHIPPINDALE, C.; TAÇON, P.C.S (eds.). Archaeology of Rock Art. London: Cambridge University Press, 1998, p: 30-41.

PROUS, A. Arqueologia Brasileira. Ed. UNB, Brasilia - DF, 605 p. 1992.

RIBEIRO, L. M. Os significados da similaridade e do contraste entre os estilos de arte rupestre: um estudo regional das pinturas e gravuras do alto-médio São Francisco. Tese de doutoramento. São Paulo. FFLCH./USP. 2006.

SEI. Estatísticas dos Municípios Baianos [recurso eletrônico] / Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. v. 4, n. 1, Salvador: SEI, 2013. Disponível em:
http://www.sei.ba.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=76&Itemid=110
Acesso em: 01 de set. 2014.

UFBA. Relatório Final do Projeto de Salvamento Arqueológico Itaparica do São Francisco (PSAI-SF). Vol. 1 – Arqueologia. Salvador: Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal da Bahia. 1989.