"ARTE RUPESTRE": conceito e marco teórico
Joaquim
Perfeito da Silva jsilva@uesb.br Depto. de Filosofia
e Ciências Humanas Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Evolução do conceito
Variados estudos sobre o que comumente
se chama "arte rupestre", principalmente no campo da arqueologia,
utilizam diferentes termos para as pinturas rupestres, que conseqüentemente
induz uma metodologia e marcos teóricos sobre os quais se
pretende adequar uma possível interpretação
deste objeto de estudo.
Em uma análise feita do levantamento
bibliográfico realizado por André Prous (1980; 1985)
para a arqueologia brasileira, verificaram-se 275 títulos,
cujas referências se faziam diretas às pinturas e gravações
rupestres do Brasil. Essas referências são responsáveis
por 10,6% do total de 2.916 títulos entre os anos de 1839
e 1985 (acredita-se que este percentual seja superior, pois muitos
trabalhos com títulos gerais — "Programa Arqueológico...",
"Projeto de Pesquisa...", "Pré-História
Brasileira" — possivelmente contêm mais informações
acerca desse tipo de vestígio em particular). Tal levantamento,
portanto, possibilitou traçar um perfil da relação
entre o desenvolvimento das pesquisas (ou comunicações)
e a apropriação de conceitos e interpretações
próprios de cada época.
De 1839 a 1950, os títulos,
cujas expressões remetem a idéias de comunicação
através de vestígios de sistemas gráficos antigos
ou de povos estrangeiros, predominam nesse período ("hieróglifos",
"letreiros antigos", "escrita pré-histórica",
"vestígios de língua primitiva"). Os trabalhos
mais devotados utilizam expressões do latim, a exemplo de
outras ciências, como nas classificações zoo-botânicas
("inscrições rupestres", "petroglifos",
"litóglifos"). No final da década de 1930,
então, surgem às primeiras conotações
à "arte brasileira", uma concepção
à autoria genuinamente artística dos grupos pré-históricos.
De 1950 a 1960 podem-se constatar
10 trabalhos publicados. Embora 50% desses títulos permaneçam
fiéis à concepção de "escrita",
se materializa a idéia de ‘arte’ como característica
de expressão desses grupos do passado e as interpretações,
por conseguinte, derivam de imediato do conceito de "arte brasileira"
e "desenhos rupestres". Surgem ainda, dentro dessa nova
forma de interpretação, os primeiros títulos
com o termo "arte rupestre", que irá se fortalecer
na década seguinte. É o período "formativo",
como ressalta André Prous (1980, p. 17), de amadores dedicados
à arqueologia que procuravam criar instituições
de pesquisas com a colaboração de profissionais estrangeiros.
Entre 1970 e 1980 verificaram-se
87 referências. Dessas, em 39% dos títulos o termo
"arte rupestre" se encontra presente. Paralelamente, surgem
nesse período expressões de caráter imparcial
a uma proposta interpretativa ("pinturas", "gravuras",
"sinalações"), que respondem por 29% dos
títulos. O termo "petróglifo" é indicado
em 20,5% e as expressões "inscrições fenícias",
"pedra lavrada", "pedra com inscrições"
são encontradas em apenas 9% do total. São evidentes,
nesse período, as preocupações com a sistematização
dos registros dos sítios, assim como são discutidas
as orientações conceituais, tais como: estilo, tradição,
cronologia e ambiente como elementos básicos para uma ‘boa’
interpretação das pinturas e gravuras rupestres. Nesse
cenário a influência da lingüística estrutural
é bastante evidente, como modelo de evolução
para interpretar as transformações estilísticas.
Também nessa década surgem os primeiros títulos
exclusivos à análise dos sítios, sob a perspectiva
dos conceitos de signos e representação, dando origem
a outros possíveis caminhos interpretativos, como através
de analogias etnográficas.
Por último analisaram-se
84 referências relativas ao período compreendido entre
1980 e 1985, ano em que se encerra a bibliografia. Nesse período
confirma-se a tendência do período anterior. A referência
a "inscrições", no sentido literal do termo,
cai para 4,7% dos títulos. Da mesma forma os títulos
que contém os termos "petroglifos" e "pictoglifos"
diminuem para 7,1%, demonstrando uma tendência clara a se
ignorar termos cujos sentidos levam a definir as pinturas e gravuras
como escrita. Por outro lado, os títulos que se colocam imparciais
a uma tendência interpretativa sobem para 41,6% nas referências.
Os sítios são indicados como "unidades estilísticas",
"pinturas rupestres", "abrigos com pinturas e gravuras"
e "sinalações rupestres". Nota-se, neste
cômputo, que referências indicativas de metodologias
de análise no campo da "representação"
se tornam mais significativas ("símbolos", "expressão
visual", "imagens pré-históricas" e
"representações rupestres"). A expressão
"arte rupestre" nos títulos aparece em 47,6% dos
casos, perdendo de certa forma o impulso que vinha tendo duas décadas
atrás.
Ainda nesse período é
bastante significativo o número de trabalhos que se ocupam
com as metodologias, deixando para trás o caráter
puramente descritivo dos sítios rupestres. É notória
a tendência de mudanças conceituais, para que metodologias
mais apropriadas possam se constituir como ferramentas mais autorizadas
no âmbito da busca do significado das representações
rupestres.
O conceito no debate atual
Ainda hoje alguns usos correntes
da terminologia para a pintura rupestre estão mais diretamente
relacionados a um sentido interpretativo, isto é, ao que
o próprio termo induz como significado do objeto, tais como: arte rupestre — uma valorização de conteúdo
artístico; pictoglifo — escrita pintada, remete
à grafologia; petroglifo — escrita na pedra,
também remete à grafologia; figura — denota
exemplos figurativos, ícones; grafismos — como
sinais gráficos, discurso, mais usual para os murais urbanos,
elaborados pelos denominados "grafiteiros". Implica um
abstracionismo não cognificável: inscrição
rupestre — escrita na pedra, o mesmo sentido de pictoglifo
e petroglifo; gráfico — icônico —
como se a representação quisesse descrever aquilo
que se vê, destituída de simbolismos que a sociedade,
autora dessas pinturas, quisera representar.
Como as definições
para os termos descrevem seus objetos a partir de vários
campos (artístico, grafológico, fotográfico),
não mobilizam significados para se pensar nos elementos últimos
de sua significação — a representação.
Os termos antes mencionados são similares somente no sentido
que podem ser vistos para a comunicação. Hyder (1988,
p. 7), fundamenta esta afirmativa quando diz que devemos olhar as
pinturas rupestres como uma forma visual de expressão simbólica;
expressão visual não no sentido da arte, mas de uma
"linguagem" constituída de signos desprovidos de
raízes originais, sem relação sensível
com os objetos (os signos geométricos). A arte, portanto,
conforme Sylvia Novaes (1999, p. 70), diferencia-se da linguagem
rupestre exatamente por estabelecer esta relação sensível
entre signo que se dá pela semiose.
Signo lingüístico, conforme
Hyder (id.), diferente de pantomima, é específico
na cultura na qual é compreendido. Citando Umiker-Sebeok
e Sebeok (1978), aponta três caminhos nos quais o signo lingüístico
toma a função de linguagem:
- it is a complex of natural and conventional
signs with iconic and indexal elements outweighing symbolic
elements;
- it is semantically open in that elements can
be recombined to formulate an indefinite number of messages;
- it takes advantage of nonverbal competence.
Considerando-se a simbologia intrínseca
na cultura material pré-histórica, os mais modernos
estudos de arqueologia atualmente se apropriam dos conceitos e das
teorias antropológicas, da psicologia cognitiva e da semiótica,
buscando a interdisciplinaridade no intuito de melhor visualizar,
através dos vestígios materiais, a concepção
de mundo dessas sociedades pretéritas e, dentro desta nova
abordagem, a "arte rupestre", no conjunto dos vestígios
arqueológicos, se caracteriza como material sui generis de análise. O exemplo mais clássico desta interdisciplinaridade
é o modelo neuropsicológico desenvolvido por Lewis-Willians
e Dolson (1988) para a interpretação da "arte
rupestre" dos aborígines da África do Sul: um
modelo explicitamente antropológico, baseado na etnografia,
nas ciências médicas e nas pesquisas de laboratório.
Isto deve ser considerado, a despeito
da discussão sobre o processo de formação cognitiva
da espécie humana, àqueles que defendem que a representação
simbólica tenha evoluído da espécie hominídea
mais antiga para as formas mais complexas no homem moderno, e daqueles
que defendem que essa capacidade de simbolização tenha
aparecido com o Homo sapiens sapiens há cerca de 150
mil anos, resultante de conexões cerebrais acabadas, conforme
Mithen (2002). Não se considerando as supostas figuras antropomorfas
de Berekhat Ram, dos Altos de Golan, datadas entre 280 e 250 mil
anos antes do presente (D’ERRICO; NOWELL, 2000), as pinturas
rupestres em todo o mundo têm sido datadas em períodos
que variam entre 40 mil até o presente com os povos sul-africanos
que repintam os painéis rupestres ‘deixados pelos seus
antepassados’, como forma de reinterpretar suas tradições.
Portanto, deve-se considerar que a prática cultural de representação
em cavernas ou abrigos rochosos, remonta um passado recente que
pertence ao Homo sapiens sapiens, e conseqüentemente,
concebíveis a um estágio em que a comunicação
simbólica já estava difundida entre os povos pré-históricos.
As pinturas encontradas nas paredes
das grutas e abrigos rochosos inserem-se no contexto arqueológico
como um tipo particular de vestígio. Apresentam-se como um
sistema de idéias de natureza sociocultural, visíveis
em sua estrutura outrora compartilhado dentro do grupo pré-histórico.
Diferenciam-se do restante do conteúdo material do sítio
por apresentar signos de natureza simbólica, e podem exprimir
o cotidiano desses grupos através de representações
isoladas ou agrupadas de cenas de caça, luta, dança,
entre outras atividades, ou de maneira aparentemente estática,
antropomorfos, zoomorfos, fitomorfos, sinais geométricos
simples ou complexos (quando estão associados vários
sinais simples formando um único sinal).
A imagem ícone nem sempre
pode representar aquilo que aparenta. Por trás de sua descrição
formal podem estar ocultos elementos simbólicos cujos significados
não são possíveis de serem resgatados (no caso
das pinturas rupestres), uma vez que são desconhecidos seus
códigos e/ou significantes, salvo se recorrer a testemunhos
etnográficos ou a correlações arqueoastronômicas
— que por analogias, podem ser testemunhos diretos do significado
das representações. A cerâmica e o lítico
arqueológicos, por exemplo, desde que não possuindo
outros atributos, que não os de conferir-lhes suas funções
utilitárias, podem ser analisados através de analogias
e deduções, e descritos formalmente quanto a sua função
dentro da cultura que as produziram.
Nos últimos anos tem havido
uma maior preocupação de arqueólogos e antropólogos
sobre a necessidade de uma análise interdisciplinar para
refletir a "arte rupestre" (GALVAN, 2002, p. 1; TACON,
1998, p. 6). Coloca-se então, o que poderia se chamar de
primeira preocupação no escopo deste trabalho, o uso
da terminologia, no sentido de que esta possa ser a base de
uma boa comunicabilidade científica, além de suscitar,
conseqüentemente, caminhos metodológicos mais autorizados,
na perspectiva de se ampliar a gama de temas a respeito da "arte
rupestre" nas ciências afins. Como afirma G. Martin,
é natural que existam polêmicas quanto ao uso do termo
e a metodologia adotada para o estudo da "arte rupestre",
pois os pesquisadores discutem sobre pontos de vista divergentes,
"procuram respostas diferentes às mensagens que as pinturas
e gravuras rupestres proporcionam" (MARTIN, 1997, p. 21).
O ideal é que assim como
qualquer outra ciência, a arqueologia tenha um conjunto de
termos para cada conceito particular de seu objeto de estudo. É
certo, no entanto, que a ciência no seu processo natural de
crescimento suscita novos conceitos, "... e todo novo conceito
científico deveria receber uma nova palavra [], ou melhor,
uma nova família de palavras cognatas" (PIERCE, 2000,
p. 40).
Neste sentido, ‘arte’
como conceito agregado a ‘rupestre’, por si só,
não pode ser conceituada, ela é o que parece ser ao
seu apreciador, diferente de outra opinião. Este a formula
e a descreve com seus sentimentos e sua explicação,
essencialmente subjetivista, não pode ser concebida dentro
dos limites de verdade. Como afirma Bourdier (apud RIBEIRO,
1995, p. 28): "[...] a classe dos objetos de arte seria definida
pelo fato de que existe uma percepção guiada por uma
intenção propriamente estética, isto é,
uma percepção de sua forma mais do que sua função".
Ela é (a arte) então, produto histórico, que
deve ser legitimada pela sociedade em que é produzida. Fora
dela, o significado intrínseco à sua forma de expressão
se perde, para dar lugar apenas ao de beleza plástica.
Neste contexto então, a pintura
rupestre estaria fora da esfera artística, e se pertencesse
a essa esfera, estaria fora da possibilidade de qualquer análise
científica. Arte e ciência se tocam em seus extremos.
Geertz (1999, p. 143) sobre este ponto de vista, afirma que:
[...] descrevamos, analisamos,
comparamos, julgamos, classificamos: elaboramos teorias sobre
criatividade, forma, percepção, função
social; caracterizamos a arte como uma linguagem, uma estrutura,
um sistema, um ato, um símbolo, um padrão de
sentimento; buscamos metáforas científicas,
espirituais, tecnológicas, políticas, e se nada
disso dá certo, juntamos várias frases incompreensíveis
na expectativa de que alguém nos ajudará, tornando-as
mais inteligíveis.
O conceito de arte, como já
foi colocado, tem sua origem na Europa no início do século
XX, estendendo-se para o resto do mundo quando foi assimilado para
atender uma nova exigência estética: de incorporar
à cultura do prazer e do mercado nos tempos modernos (moderno
no contexto europeu), onde seu significado é muito específico.
André Prous (1992, p. 510;
2003, p.44) discorda do termo ‘arte’ rupestre e sugere
em seu lugar ‘grafismos’, embora considere a primeira
expressão já consagrada pelo uso para ser abandonada.
Conforme Prous: "[...] a ‘obra de arte’ é
considerada, desde Kant, uma ‘finalidade sem fim’, ou
seja, sua própria finalidade, objeto de contemplação
estética quase que mística... Por não o conhecer,
é que consideramos uma escultura de sambaqui, de catedral
gótica ou da Nigéria apenas como ‘obra de arte’,
e não como instrumento de culto, ou meio de propagação
de uma ideologia" (PROUS, 1992, p. 510).
Desse modo, deve ser discutido porque
a expressão ‘arte’ não deve ser incorporada
à expressão "arte rupestre", pois os caminhos
que levam a fazer e a pensar arte, fazem sentido para a sociedade
que a produz, "[...] é específica de cada cultura"
(MITHEN, 2002, p. 252). Conkey (apud MITHEN, 2002, p. 292,
nota 7) discute como a categoria ‘arte’ adotada pelos
arqueólogos prejudica as análises sobre a evolução
cultural no início do Paleolítico Superior. A regra
ideal é que o termo não desvie do conceito: o que
imaginaria um leigo ao folhear um livro com inúmeras ilustrações
de pinturas rupestres cujo título fosse "arte-rupestre"?
Thomas Heid (1999, p. 453), discutindo
o lugar do conceito de arte, questiona sobre a orientação
teórica de Blocker (1994), quando justifica que os artefatos
produzidos pelas sociedades tradicionais (small-scale societies),
ocupam o mesmo espaço nas salas dos museus etnográficos
ou de museus de arte. Blocker argumenta que: "[...] people
who make and use such artifacts manifest enough of the relevant
artistic and aesthetic attitudes and dispositions to justify us
in calling such artifacts ‘works of art’ and treating
them as such." (BLOCKER apud HEID, op. cit. p.
454).
A proposta de Blocker, no entanto,
pode fazer sentido se realmente a sociedade possui o conceito de
arte para seus artefatos produzidos. É preciso que se verifique
se este conceito não tenha sido incorporado como forma de
se apelar para uma maior integração à cultura
envolvente, quando o verdadeiro significado implícito nas
obras passa a ser obscurecido e onde uma interpretação
mais geral e simples de arte, de artefato decorador, tenha sido
imposto para ser exibido ao público.
Shiner examina esta concepção
de arte aplicada a diferentes sociedades pelas sociedades ocidentais,
atribuindo a elas, uma predeterminação de apropriar-se
e extinguir os valores simbólicos dos objetos de outras culturas.
Admite-se que, conferindo o título ‘arte’ para
tais artefatos simples, nossas instituições fazem
um jogo com o propósito de manter o controle sobre ‘culturas
marginais’. Shiner afirma que: "[...] ultimately, through
this strategy our art institutions seek retain the power of making
differentiations between ‘authentic’, ‘fake’
and ‘tourist art" (HEID, 1999. p. 455)
Estas observações
são interessantes, à medida em que se questione se
os executores das pinturas rupestres possuíam o conceito
de arte enquanto arte estética, como no exemplo de alguns
sítios africanos descritos por Ki-Zerbo (1982, p. 688) e
assim se poder denominar "sítios de arte rupestre".
A despeito disto, se as pinturas possuem intrínsecas relações
cosmogônicas e religiosas, estas naturalmente devem ser representadas
esteticamente. Como Morin ressalta, que a "arte rupestre",
além do sentido ritual e mágico, comportaria também
o sentido estético, que são perfeitamente combináveis:
"os fenômenos mágicos são potencialmente
estéticos e... os fenômenos estéticos são
potencialmente mágicos" ( apud SEDA, 1997, p.
152).
A preocupação maior,
portanto, é sobre o sentido que deve ser dado à interpretação.
É perfeitamente plausível que um pesquisador descreva
esses painéis como uma obra de arte, partindo de seu conteúdo
estético, diferencie as técnicas, as formas, e até
as identifique dentro de uma classe de arte, e. g., abstracionista,
impressionista etc. Porém, dificilmente chegaria a alguma
interpretação científica.
Diferente de uma antropologia urbana
ou de uma etnologia indígena, onde se podem resgatar os valores
simbólicos de seus interlocutores, fazer uma arqueologia
antropológica, quando a "tradição viva"
(cf. DAMATTA, 1987, p. 50) não está mais presente,
exige que se trate o objeto de estudo com metodologias mais apropriadas
e, por conseguinte, a terminologia é importante para que
se comece a pensar caminhos mais profícuos para uma análise
científica da "arte rupestre".
Sugere-se então, que o termo representação rupestre se apresenta de maneira
mais apropriada a esse tipo de manifestação cultural.
Representação como reprodução daquilo
que se pensa. Conteúdo concreto apreendido pelos sentidos
(estéticos), pela imaginação ou pela memória,
retraduzido no conjunto de signos não verbais, e compreendido
no campo de elaboração relativa ao psicológico
e ao sociológico. E ainda, representação no sentido de sua origem na semiótica, onde o conceito exerce
o papel de evidenciar categorias de signos diferentes, que interagem
no contexto segundo leis próprias de organização
estruturais, de processos de representação particulares.
Deste ponto de vista, o termo assume
os conceitos unificadores de dois domínios que são:
o signo, por seu lado perceptível, e a representação,
seu lado mental, pois como afirmam Santaella e Nöth (1998,
p. 15): "[...] não há imagem de representações
visuais que não tenha surgido de imagens na mente daqueles
que as produziram, do mesmo modo que não há imagens
mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos
objetos visuais".
Representação é
significante da idéia de reprodução de algo
que já estava na mente. Se a imagem rupestre é produto
de uma "visão de mundo" socialmente compartilhada,
representar, então, é rememorar aquilo que se reapresenta
na mente de quem produziu essas imagens e que desperta sentido no
grupo espectador. Representação, portanto, remete
ao conceito de signo, e a terminologia por sua vez, em detrimento
das outras terminologias citadas, implica que imagens rupestres
sejam tratadas metodologicamente, também, sob a perspectiva
da teoria geral dos signos, ou semiótica.
O objeto da antropologia, senão
único, pelo menos principal, são as representações
culturais. Segundo D. Sperber (2001, p. 91) toda representação
envolve no mínimo três termos: a própria representação,
seu conteúdo e um usuário, aos quais se pode acrescentar
um quarto, o produtor da representação, quando não
é o próprio usuário.
A representação é
mental no momento em que seu conteúdo é construído
e torna-se pública quando é endereçada aos
espectadores. Admite-se que o conteúdo explícito nos
painéis rupestres traz em si espectros da vida social e cultural
dos povos que os produziram, visões de experiências
e conhecimentos acumulados, e que não somente expressa a
vontade de retraduzir esses conhecimentos, mas também é
para ser interpretado e assimilado, então se deve conceber
essas imagens metodologicamente como representações
das representações dos saberes, e devem obedecer a
uma estrutura qualquer que tornem inteligíveis as informações
referentes a objetos ou a situações. Ainda reforçando
esse lado mental da representação Jean-Claude Abric
afirma que: [representação é...] "o produto
e o processo de uma atividade mental por intermédio da qual
um indivíduo ou um grupo reconstitui o real com o qual é
confrontado e lhe atribui uma significação específica"
(ABRIC, 2001, p. 156).
Trata-se, portanto, da apreensão
dos fenômenos sem levar em conta os fatores diretamente observáveis,
mas que enfatiza sua dimensão simbólica, valoriza
sua significação. Representação como
eixo norteador para as hipóteses a serem testadas, que legitima
seu conteúdo como objeto de pesquisa científica.
—¿Preguntas,
comentarios? escriba a: rupestreweb@yahoogroups.com—
Cómo
citar este artículo:
Perfeito
da Silva, Joaquim. "ARTE
RUPESTRE": conceito e marco teórico.
En
Rupestreweb, http://www.rupestreweb.info/conceito.html
2004
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