Da penumbra à escuridão - A arte rupestre das cavernas de Ruropólis, Pará, Amazõnia, Brasil*
Edithe Pereira. edithepereira@museu-goeldi.br
Museu Paraense Emílio
Goeldi. Pesquisadora do CNPq
Erismar de Souza Silva.
Presidente da Associação
dos Exploradores de Caverna de Rurópolis
* Este artigo tem sua origem em uma vistoria técnica realizada em julho de 2011 a pedido da Superintendência
Regional no Pará do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Trata-se de informações preliminares observadas em cinco sítios com arte rupestre localizados no município de Rurópolis.
RESUMO
Pinturas e gravuras rupestres na Amazônia brasileira estão presentes principalmente em locais a céu aberto. Ainda são poucos os registros sobre a presença de arte rupestre no interior de cavernas. Rurópolis, município situado no sudoeste do estado do Pará, parece ser uma exceção, visto que abriga uma importante província espeleológica com grande quantidade de cavernas em arenito. Algumas dessas cavernas abrigam em seu interior pinturas e gravuras pré-históricas cujas características técnicas e estilísticas não encontram paralelo na Amazônia. No entanto, o ineditismo e principal característica dessa arte rupestre é o fato de estar localizada em áreas afóticas das cavernas.
ABSTRACT
In the Brazilian Amazon, rock paintings and engravings are mainly present in open air areas. There are only few records about the presence of rock art within caves. Rurópolis, a county located in the southwestern part of the state of Pará, seems to be an exception, since it houses an important speleological province with lots of sandstone caves. Some of these caves house prehistoric paintings and engravings whose technical and stylistic features are unmatched in the Amazon. However, the uniqueness and main feature of this rock art lies in the fact they are located in aphotic areas of the caves.
A ARTE RUPESTRE EM CAVERNAS NA AMAZÕNIA BRASILEIRA
Os estudos sobre arte rupestre na Amazônia brasileira já evidenciaram
uma grande quantidade de sítios arqueológicos com esse tipo de vestígio sendo
predominantes as gravuras rupestres localizadas ao ar livre, principalmente,
nos trechos encachoeirados dos cursos d’água.
Há registros da existência de pinturas e gravuras rupestres
no interior de abrigos e de cavernas, mas o número de sítios ainda é modesto
quando comparados a locais onde a arte rupestre se apresenta a céu aberto. Dos
152 sítios com arte rupestre registrados no Estado do Pará (Pereira, et. al,
2013) apenas 10 apresentam pinturas e/ou gravuras no interior de cavernas. Em
algumas delas a arte rupestre está localizada em áreas onde é possível observá-la
com a luminosidade exterior. Em outros casos as pinturas e/ou gravuras estão em
zonas de penumbra onde há necessidade de luz artificial para visualizá-las como
é o caso de algumas grutas no Município de Monte Alegre, no Pará (Pereira,
2012).
A presença de arte rupestre em zonas afóticas de cavernas
amazônicas era desconhecida até descoberta das pinturas e gravuras rupestres
localizadas no município de Rurópolis.
ARQUEOLOGIA E ESPELEOLOGIA EM RURÓPOLIS
No final dos
anos 1990, o Grupo Espeleológico Paraense (GEP) registrou algumas cavernas localizadas
no município de Itaituba, vizinho a Rurópolis (Pinheiro et al.,1998). Na última
década, a descoberta e o registro de cavernas em Rurópolis têm sido feitos por
membros da Associação de Exploradores de Cavernas de Rurópolis, principalmente
por Erismar Silva (1).Atualmente, são conhecidas nesse
município mais de 60 cavernas, parte delas registrada por amadores na Sociedade
Brasileira de Espeleologia.
A grande
quantidade de cavernas na área compreendida entre Rurópolis e Itaituba faz dela
uma importante província espeleológica, mas que ainda muito pouco conhecida,
visto que o trabalho realizado tem se limitado a localização das cavernas
utilizando o GPS e algumas medidas estimadas.
Do ponto de
vista arqueológico, o conhecimento existente para a região de Rurópolis ainda é
incipiente e limitado ao registro de alguns sítios no âmbito de projetos de
contrato (2).
De acordo com o Sistema de Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico (SGPA) do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN (3). foram registrados em Rurópolis dezenove sítios arqueológicos, sendo 11
lito-cerâmicos, 8 cerâmicos e 1 com gravuras rupestres. Somam-se a essas
informações os cinco sítios com arte rupestre registrados durante a vistoria
realizada em julho de 2011.
1. Erismar Silva foi a pioneira
na descoberta e exploração de cavernas de Rurópolis.
2. Alguns sítios foram localizados
através do projeto “Patrimônio Arqueológico da BR-163 (Guarantã do
Norte)/Entroncamento BR-230 e BR-230 (Miritituba-Rurópolis). Informação obtida
através do site www.iphan.gov.br.
3. www.iphan.gov.br
|
RURÓPOLIS, SUAS CAVERNAS E A ARTE RUPESTRE
A cidade de Rurópolis tem suas origens no início
da década de 1970 e sua criação está relacionada ao Programa de Integração
Nacional (PIN), que visava desenvolver a região através de um grande programa
de colonização estimulado pela migração de trabalhadores de várias partes do
Brasil.
Rurópolis
está localizada a 1.170 km de Belém, capital do estado do Pará, no
entroncamento da Rodovia Transamazônica (BR-230) com a Rodovia Cuiabá –
Santarém (BR-163), estradas que facilitam as vias de acesso a todas as regiões
brasileiras (Figura 1).
Os cinco
sítios arqueológicos com arte rupestre localizados em Rurópolis em julho de
2011 estão localizados em estradas vicinais da BR-230 (Transamazônica) no
trecho Itaituba-Rurópolis. São eles: Caverna das Mãos, Caverna do Caximbão,
Caverna das Damas, Caverna do 110 e Caverna da Borboleta Azul (figura 2).
CAVERNA DAS MÃOS
O sítio arqueológico Caverna das Mãos foi registrado no
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com a sigla
PA-ST-46: Caverna das Mãos (4).
Esse sítio possui duas grandes entradas, ambas com um desnível acentuado na
entrada. Em uma delas o proprietário do terreno construiu uma escada de madeira
visando facilitar o acesso a gruta e ao local onde foi colocado um altar com a
imagem de N.S de Lourdes (figuras 3 e 4). Algumas partes dessa escada encontram-se
hoje bastante deterioradas colocando em risco aqueles que a utilizam.
4. Esse sítio foi
cadastrado por Schaan (2009) como N.S. de Lourdes (CNSA PA 00997), que é o nome
da propriedade onde se encontra. No entanto, a caverna já havia sido cadastrada
anteriormente na Sociedade Brasileira de Espeleologia com o nome de Caverna das
Mãos – designação pela qual o local é conhecido pela população local.
|
|
Figura 3 – Entrada principal da Caverna das Mãos com escada de acesso e altar religioso
colocado na gruta na entrada da gruta pelo proprietário. Fotos: Edithe Pereira. |
A descoberta das pinturas rupestres na Caverna das Mãos foi
feita em 1998 por Erismar de Souza Silva. Nessa época havia na parede em frente
a entrada da caverna duas gravuras pintadas (figura 4, detalhe) que foram
destruídas quando o suporte no qual estavam foi raspado para colocação do
primeiro altar.
|
Figura 4 - A esquerda da foto o local do altar atual; a direita a área do primeiro altar cuja
parede foi raspada e na qual havia pinturas rupestres que foram destruídas (no detalhe).
O contorno da entrada também parece ter sido modificado. Foto: Edithe Pereira. |
Na Caverna das Mãos há tanto pinturas como gravuras
rupestres distribuídas em diferentes zonas as quais foram numeradas de forma
preliminar a fim de organizar as informações. A zona 1 corresponde as paredes
da segunda grande entrada da caverna onde há enorme quantidade de sedimento
extremamente arenoso oriundo do deslizamento da parte superior do terreno. Nessa
zona há dois painéis com gravuras rupestres situados um em frente ao outro. O painel
1 (figura 5) é iluminado pela a luz exterior sendo a maior parte das gravuras facilmente
visíveis. Predominam nesse painel figuras zoomorfas, algumas claramente
identificadas como o peixe-boi (Figura 5a) e a arraia (figura 5 b), além de
aves (figura 5 c) e peixes (Figura 5 a). A técnica utilizada para a elaboração
dessas figuras foi a gravura profunda que destaca fortemente as figuras no
suporte.
O painel 2 está localizado em frente ao painel 1, mas devido
a posição da parede as gravuras só podem ser vistas com auxilio de luz
artificial (figura 6 a, b). Nesse painel as figuras são geométricas (grafismos
puros), algumas com pintura preta no interior das incisões (figura 6b).
|
|
|
Figura 5 – Gravuras rupestres com representações de animais localizadas na zona 1 da Caverna das Mãos. Fotos: Edithe Pereira. |
|
|
Figura 6 – Motivos geométricos localizados no painel 2 da zona 1 da Caverna das Mãos.
Fotos: Edithe Pereira |
A zona 2 corresponde aos primeiros 30 metros de uma extensa
galeria que se desenvolve por cerca de 500 metros (estimados) ao longo da qual
corre um rio cujas águas deslizam fortemente nos primeiros metros a partir da
entrada principal da caverna. Conforme penetra na caverna a água corre mais tranquila
e se observam trechos com sedimento que ficam fora do alcance das águas, pelo
menos em tempos de seca.
As gravuras da zona 2 estão em área afótica e se localizam próximo
ao solo. Os temas representados são principalmente formas geométricas (figura 7)
e alguns zoomorfos e possíveis antropomorfos gravados com incisão fina.
|
|
Figura 7 – Gravuras rupestres na zona 2, localizadas no início da extensa galeria da Caverna das Mãos.
Fotos: Edithe Pereira. |
Seguindo pela mesma galeria a aproximadamente 450 metros
(estimados) da entrada da caverna, em zona afótica, chega-se a zona 3 onde
ocorrem as pinturas rupestres. Essas pinturas estão agrupadas em painéis
localizados próximos entre si tanto na parede à direita quanto à esquerda. Os
temas representados são, principalmente, mãos em positivo - e que originou o
nome da caverna - (figura 8a, b, c) e figuras biomorfas (figura 8d).
|
|
|
|
Figura 8 – Pinturas rupestres localizadas em zonas afóticas da Caverna das Mãos. (a,b,c)
Mãos em positivo; (d) biomorfo. Fotos: Edithe Pereira |
Além da parede que foi raspada na entrada da gruta, observam-se
ainda outros danos de origem antrópica na Caverna das Mãos. Na parede na
entrada da caverna há uma série de pichações gravadas na rocha (figura 9a). No
interior da extensa galeria, próximo ao local onde estão as gravuras rupestres (zona
2) há desenhos modernos gravados na parede (figura 9 b, c).
Os problemas de conservação de origem natural estão
relacionados ao desplacamento natural da rocha (tanto para pinturas como para
as gravuras), eflorescência salina sobre algumas pinturas e, provavelmente, a
força das águas no período chuvoso quando o nível do rio aumenta dentro da
caverna.
|
|
|
|
Figura 9 – Os problemas de conservação do sítio Caverna das Mãos –
(a,b,c) gravuras modernas; (d) desplacamento da rocha e eflorescência.
Fotos: Edithe Pereira |
CAVERNA CAXIMBÃO
O sítio arqueológico Caverna Caximbão foi registrado no
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com a sigla
PA-ST-45: Caverna Caximbão. A entrada da caverna possui 1,50 metro de altura,
mas dentro há um amplo salão com aproximadamente 50 metros de largura por 10
metros de profundidade.
O sítio apresenta pinturas e gravuras rupestres que estão
localizadas na parede ao fundo da caverna. A cavidade é pouco iluminada e as
gravuras e pinturas encontram-se na penumbra e só podem ser visualizadas com
auxílio de luz artificial. Foram identificados três painéis sendo dois com pinturas
e gravuras. Os temas identificados foram os grafismos puros (figura 10 a),
zoomorfos (figura 10 b) e antropomorfos filiformes (figura 10 c). As técnicas
utilizadas para as gravuras foram a incisão profunda e o raspado cuja
composição confere aos motivos o efeito de alto relevo. Esse efeito é acentuado
pelo contraste de cor entre a parte raspada e a não raspada (mais escura devido
a pátina da rocha) (Figura 10 c)
No solo há bastante sedimento, mas não foi observada a
presença de outros vestígios arqueológicos (cerâmico e lítico). No entanto, a
sua presença não pode ser descartada, havendo necessidade de um trabalho de
prospecção intra-sitio mais detalhado para a identificação desses vestígios em
sub-superfície, bem como, para a identificação de possíveis outros painéis com
arte rupestre no interior da caverna. O sítio encontra-se bem conservado e não foram
observados danos de origem antrópica.
|
|
|
Figura 10 – Pinturas e gravuras rupestres no interior da Caverna Caximbão. Fotos: Edithe Pereira |
CAVERNA
DAS DAMAS
O sítio arqueológico Caverna das Damas foi registrado no
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com a sigla
PA-ST-47: Caverna das Damas. A cavidade mede aproximadamente 50 metros de
largura por 30 metros de profundidade (estimados). A origem do nome da caverna
está relacionada com uma das figuras pintadas cuja forma é semelhante a um
tabuleiro de damas (figura 11a).
A esquerda de quem entra, a caverna tem pouca profundidade,
parecendo mais um abrigo com uma altura máxima de 2,5 metros. Nessa área, o
sedimento está conservado, há alguns blocos rochosos no solo e as pinturas
estão localizadas no teto (painel 1). Na parede próxima a entrada da área mais
profunda da caverna encontra-se o painel 2 e, um pouco mais a sua frente, o
painel 4. Ambos estão localizados a mais de 2 metros de altura em relação ao
solo atual. Próximo a entrada da caverna, a direita de quem entra estão
localizados no teto os painéis 5 e 6. Na parte mais profunda da caverna está o painel 7.
Na entrada da caverna houve um desmoronamento do sedimento o
que provocou um acentuado desnível entre o solo da parte exterior e interior da
caverna. O acesso aos painéis 4 e 5 era provavelmente mais fácil antes desse
desmoronamento. Hoje, a distância entre o solo atual e o teto onde estão esses
painéis é de cerca de 4 metros.
As pinturas estão elaboradas nas cores vermelha e branca,
sendo a bicromia de algumas figuras e a grande quantidade de pinturas na cor
branca o destaque desse sítio (figura 11a, b, c, d).
Em uma das rochas situadas abaixo do painel 1 há três
cúpulas. No solo há bastante sedimento, mas não foi observada a presença de
outros vestígios arqueológicos como cerâmica e líticos. No entanto, a sua
presença não pode ser descartada, havendo necessidade de um trabalho de
prospecção intra-sitio mais detalhado para a procura desses vestígios em
sub-superfície, bem como, para a identificação de possíveis outros painéis com
arte rupestre no interior da caverna.
Nenhum dano de origem antrópica foi detectado nas pinturas. Os
problemas de conservação são de origem natural como a presença de liquens, casas
de cupins e eflorescência salina.
|
|
|
|
Figura 11 – Detalhe de alguns motivos do sítio Caverna das Damas Na figura
11a o grafismo que deu origem ao nome do sítio. Fotos: Edithe Pereira |
CAVERNA DO 110
O sítio arqueológico Caverna do 110 foi registrado no
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com a sigla
PA-ST-49: Caverna do 110. A caverna tem duas entradas, uma bastante estreita
(cerca de 70 cm de largura por 1,60 de altura) e outra mais ampla com aproximadamente
2,80 de largura. No seu interior a gruta apresenta dois salões interligados por
uma galeria com cerca de 20 metros de extensão (figura 12). O sítio apresenta pinturas,
gravuras e gravuras pintadas que se distribuem pelos salões e galeria em oito painéis.
Os painéis 1, 2 e 3 estão localizados no salão 1 cujo acesso
é feito pela entrada mais ampla onde a luminosidade é maior e por isso mesmo os
grafismos podem ser visualizados com a luz natural (Figura 15 a, d). Os painéis
4 e 5 estão localizados na galeria, em área de penumbra e as figuras que os
compõe só podem ser vistas com luz artificial (figura 15 b, c).
Os painéis 6, 7 e 8 podem ser vistos com a luz natural
(figura 13 e 14). Eles estão localizados no salão 2 cujo acesso se faz pela
entrada mais estreita da caverna.
Os grafismos puros predominam entre as gravuras rupestres, há
poucas representações de animais (quadrúpedes). Há pelo menos duas gravuras
pintadas nas cores preta e vermelha (figura 15a). Os temas encontrados nas
pinturas são antropomorfos e animais (peixe) (figura 15b, d)
A incidência de luz na caverna é pouca e dificultada pela
vegetação existente na parte exterior. No interior da caverna foram encontrados
em superfície alguns fragmentos de cerâmica O sítio está bem conservado. Não
foram observados danos de origem antrópica e os problemas de conservação estão relacionados
a fatores naturais como a presença de liquens, casas de cupins e eflorescência
salina.
|
Figura 12 – Vista panorâmica da Caverna do 110 feita desde o seu interior. A esquerda observa-se a
entrada menor onde estão os painéis 6, 7 e 8; a direita entrada a maior onde estão os painéis 1,2 e 3;
no centro da foto (galeria que une os dois salões) estão os painéis 4 e 5. Foto: Edithe Pereira. |
|
Figura 13 - Vista geral do salão 2 onde estão os painéis com gravuras rupestres.
Foto: Edithe Pereira |
|
|
Figura 14 – Detalhe das gravuras rupestres localizadas no salão 2. Fotos: Edithe Pereira. |
|
|
|
|
Figura 15 - (a) Gravura pintada localizada no salão 1; (b) antropomorfo pintado em preto localizado
na galeria que une os dois salões; (c) gravura rupestre preto localizada na galeria que une os dois salões;
(d) pinturas rupestres localizadas na entrada do salão 1, entre elas a representação de peixe.
Fotos: Edithe Pereira. |
CAVERNA DA BORBOLETA AZUL
O sítio arqueológico Caverna da Borboleta Azul foi
registrado no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A
caverna tem uma ampla entrada (aproximadamente 6 metros de largura) e é pouco
profunda (cerca de 9 metros) (figura 16a). No fundo da caverna a sua direita há
uma pequena fenda junto a qual há algumas gravuras. Foram observados restos de
pintura vermelha (figura 16e) e diversas gravuras cujos motivos são grafismos puros
representados na sua maioria por traços retilíneos e cruzes (figura 16 b, c, d).
Há pelo menos uma gravura cujos traços foram pintados com a cor preta (figura
16 d).
O sítio está bem conservado. Apenas um dano de origem
antrópica foi observado no sítio: um nome gravado na rocha. Os problemas de
conservação estão relacionados a fatores naturais como liquens e eflorescência
salina.
|
|
|
|
|
Figura 16 – (a) Vista panorâmica da Caverna da Borboleta Azul; (b, c) gravuras rupestres; (c) gravura com interior pintado em negro; (e) restos de pintura vermelha. Fotos: Edithe Pereira. |
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O município de Rurópolis ainda é pouco conhecido do ponto de
vista arqueológico, mas é uma região com riquíssimo potencial. São sítios
cerâmicos e lito-cerâmicos a céu aberto, sítios com arte rupestre em grutas e
evidencias cerâmicas no interior das grutas com arte rupestre.
A observação preliminar dos sítios com arte rupestre visitados
revela uma série de características ainda não observadas em outros sítios com
arte rupestre na Amazônia e, provavelmente, no restante do Brasil (Pereira,
2003). A primeira delas e, indiscutivelmente, a mais espetacular é a presença
de pinturas nas profundezas de cavernas em zonas afóticas. A outra é a presença
de arte rupestre no interior de cavernas não muito profundas, mas escuras o
suficiente para que a arte rupestre seja visível apenas com luz artificial. O
primeiro caso é exemplificado pela Caverna das Mãos. Trata-se de um sítio
excepcional e que merece destaque pelo fato da arte rupestre estar em zona
afótica e distante mais de 400 metros da entrada da caverna o que se configura
como um caso excepcional no Brasil (5).
5. O mapeamento dessa gruta e a
documentação da sua arte rupestre já foram realizados através do projeto “Arte
rupestre e contexto arqueológico nas grutas de Rurópolis” coordenado por Edithe
Pereira. Os resultados serão publicados em breve.
|
A presença de arte rupestre no interior de grutas em áreas
completamente escuras é inédita no Brasil. Em alguns lugares, como em Monte
Alegre, no Pará, foram registrados sítios onde a arte rupestre se encontra em
zonas de penumbra e necessita de luz artificial para ser visualizada (Pereira,
2011, 2012). A Caverna das Mãos, no entanto, com pinturas rupestres localizadas
em áreas profundas e afóticas é, provavelmente, um caso único no Brasil. Essa
particularidade confere ao sítio uma importância sem precedentes no país. Além
da importância arqueológica desse sítio, a sua proteção é premente por vários
motivos entre os quais destacamos: a) as intervenções antrópicas que provocaram
dano ao patrimônio arqueológico; b) a presença de pichações modernas gravadas
nas rochas próximo as gravuras pré-históricas; c) a construção na entrada da
caverna de um altar religioso que sugere peregrinação ou atividade religiosa no
local (ainda que esporádica) e; d) a facilidade de acesso estimulada pela
construção de uma escada que dá acesso ao interior da gruta.
O outro ponto de destaque da Caverna das Mãos diz respeito a
própria arte rupestre cujas técnicas e motivos sugerem, a principio, diferentes
momentos de ocupação na caverna. Chamamos a atenção também para o painel com
motivos zoomorfos localizado na entrada secundária da gruta (ver figura 5) cuja
técnica empregada - gravação profunda - destaca fortemente as figuras no
suporte.
Nos demais sítios com arte rupestre de Rurópolis - Caverna
do Caximbão, das Damas, do 110 e da Borboleta Azul – algumas pinturas
e/ou gravuras rupestres localizadas na penumbra só podem ser observadas só com
auxílio de luz artificial. Essa é uma particularidade que confere destaque e
importância a esses sítios por tratar-se de casos pouco frequentes no Brasil.
Em todos os sítios visitados tanto as pinturas quanto as
gravuras apresentam um conjunto de características técnicas e estilísticas
bastante peculiares. Destaca-se entre elas o uso da cor branca para a
elaboração dos motivos (até o momento o uso dessa cor era inédito na arte
rupestre da Amazônia brasileira); o uso da bicromia em vermelho e branco na
composição dos motivos (também inédito na Amazônia brasileira); pinturas
elaboradas em preto; motivos gravados elaborados com a técnica do gravado
profundo que permite destacar fortemente a figura no suporte rochoso. Os temas
representados são diversos (zoomorfos, antropomorfos e grafismos puros) e
possuem características estilísticas diferentes nos diversos sítios da área e
até mesmo em um mesmo sítio o que sugere, como dito anteriormente, diferentes
momentos de ocupação em uma mesma caverna.
A presença de vestígios cerâmicos na superfície de alguns
sítios como na Caverna do 110 e na Caverna da Borboleta Azul, sugere que os
locais podem ter sido ocupados com finalidade de moradia (ainda que temporária)
ou ritualístico. Um projeto visando responder as questões relacionadas a forma
de ocupação dessas cavernas e a datação e contextualização da arte rupestre
está em curso (6) e seus
resultados serão publicados em breve.
Com exceção da Caverna das Mãos, os demais sítios são pouco visitados por curiosos ou turistas. Isso se deve, em parte, pela dificuldade de acesso até eles. No entanto, ressalta-se a preocupação com a divulgação e visitação pública ao sítio Caverna das Mãos que vem sendo estimulada por particulares da região. Expor um sítio arqueológico a visitação pública requer uma série de requisitos relacionados a infraestrutura e proteção, além de pesquisa para subsidiar informações a serem repassadas aos visitantes (Pereira, 2005; Pereira e Figueiredo, 2005; Figueiredo e Pereira, 2007). O turismo sem as bases e a organização necessárias pode transformar-se em um perigoso agente de destruição do patrimônio arqueológico.
—¿Preguntas,
comentarios? escriba a: rupestreweb@yahoogroups.com—
Cómo citar este artículo:
Pereira, Edithe y de Souza Silva, Erismar . Da penumbra à escuridão - A arte rupestre das cavernas de Ruropólis, Pará, Amazõnia, Brasil.
En Rupestreweb, http://www.rupestreweb.info/cavernasruropolis.html
2014
REFERENCIAS
AZEVEDO NETTO, Carlos Xavier de. As gravações rupestres do cerrado - o enfoque de seus signos. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1994, 235 p. il.
BERRA,
Júlia Cristina de Almeida. A arte
rupestre da Serra do Lajeado, médio Tocantins. Dissertação de Mestrado.
Universidade de São Paulo/Museu de Arqueologia e Etnologia. 1999.
CLOTTES, Jean. Le Musée des roches – L’art
rupestre dans le monde. Paris:
editions du Seuil. 2000.
ETCHEVARNE,
Carlos. Escrito na Pedra: forma, cor e movimento nos grafismos
rupestres da Bahia. Rio de Janeiro: Versal. 2007.
FIGUEIREDO,
Silvio Lima; PEREIRA, Edithe. Turismo e Arqueologia na Amazônia - Brasil:
aspectos de preservação e planejamento. In: IV Seminário da Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-graduação em Turismo, 2007, São Paulo. Anais do IV Seminário da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-graduação em Turismo. São
Paulo: Anptur, 2007. v. 1. p. 235-250.
GARCIA,
Maria Coimbra de Oliveira. Inventário
dos Sítios Rupestres da Região Centro-Leste de Rondônia. Dissertação de
mestrado. Mestrado em História, Direitos Humanos, Fronteiras e Cultura,
Universidade Pablo de Olavid, Rondônia. 2010. 178p.
JORGE,
Marcos, PROUS, Andre, RIBEIRO, Loredana. Brasil
Rupestre – arte pré-histórica brasileira. Curitiba: Zencrane Livros.
2007.
PEREIRA,
Edithe. A Arte Rupestre de Monte Alegre,
Pará, Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi. 2012.
PEREIRA, Edithe. Vistoria técnica em sítios com arte rupestre
em Rurópolis, Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi. 2011.
PEREIRA, Edithe. Histoire, territorialité et diversité dans l’art rupestre de l’Amazonie
brésilienne. In: Vialou, D. (org.) Peuplements
et Préhistoire en Amériques. Éditions du Comité des travaux historiques et
scientifiques, Paris.p. 403-418. 2011.
PEREIRA,
Edithe. Arte rupestre na Amazônia – um patrimônio ameaçado. IN: AMAZÔNIA além dos 500 anos, Louis
Forline, Rui Murrieta, Ima Vieira (orgs). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi,
2005. p. 19-31.
PEREIRA,
Edithe. Arte Rupestre na Amazônia
– Pará – Brasil. São Paulo: Unesp, Belém: Museu Paraense Emílio
Goeldi. 2003.
PESSIS, Anne-Marie. Imagens
da Pré-história. Parque nacional Serra da Capivara. FUMDHAM/ PETROBRAS. 2003.
PINHEIRO,
R. V. L.; MAURITY, C.; SANTOS, H. M. M.; MELO, C. C. S.; TOLEDO, P. M. . Observações preliminares sobre as cavernas
da região de Itaituba - PA. Belém: inédito, 1998 (Relatórios Técnicos).
|