Arte
rupestre no quintal: o caso da Pedra Ferrada e o desafio da preservação
patrimonial
RESUMO
O sítio Pedra Ferrada é um complexo arenítico da Formação Cabeças
– Membro Oeiras, localizado no povoado Oiticica, município de Piripiri,
estado do Piauí, Brasil, contendo 37 registros rupestres, majoritariamente
grafismos puros e carimbos de mãos humanas, distribuídos em quatro paineis
pictóricos. As pinturas foram elaboradas principalmente em diferentes
tonalidades de vermelho e em um púrpura quase preto. Os painéis gráficos têm
abertura para vários posicionamentos geográficos. O estado de conservação das
pinturas é bom, mas a rocha está em avançado estado de degradação natural,
sobretudo pelas ações mecânica, química e biológica das plantas presas ao
substrato rochoso. As raízes de plantas trepadeiras, que estão fortemente
fixadas, abrem fissuras na rocha matriz, além de penetrarem naquelas já
existentes, esfacelando o suporte rochoso. Também existem muitas bromeliáceas, líquens
e musgos. A rocha matriz contém ainda marimbondos e insetos. Há manchas de
fumaça, decorrentes da eliminação dos marimbondos e abelhas, além de galerias
de cupins, ninhos de vespas, teias de aranha, eflorescências salinas e
gameleiras fixadas no arenito. A fonte de água mais próxima é um riacho a cerca
de 100 metros do sítio. Os diversos problemas de ação antrópica estão especialmente
relacionados com a grande proximidade das residências do entorno do complexo
arenítico e a elevada densidade de pessoas permanentemente na área. Como
consequência, o sítio é continuamente visitado, sendo utilizado como depósito
de entulhos, além da existência de um campo de futebol de areia, localizado
lateralmente ao bloco rochoso.
Palabras Chave: Arte rupestre. Patrimônio cultural arqueológico. Conservação.
Pedra Ferrada.
Introdução
A região arqueológica de Piripiri, no estado do Piauí, Brasil, vem
sendo pesquisada sistematicamente desde abril de 2009. Os trabalhos iniciais
foram direcionados principalmente aos povoados Buriti dos Cavalos (CAVALCANTE;
RODRIGUES. P., 2009, 2013), Jardim (CAVALCANTE; RODRIGUES, A., 2010), Cadoz
Velho (CAVALCANTE; RODRIGUES, A., 2012) e circunvizinhanças imediatas.
Historicamente, os únicos trabalhos arqueológicos anteriores, nessa
região, de que se têm notícias são o cadastramento dos sítios (NAP-UFPI/IPHAN,
1986 a 2005; MAGALHÃES, 2011), feito, por pesquisadores do Núcleo de
Antropologia Pré-Histórica (NAP), da Universidade Federal do Piauí (UFPI),
entre dezembro de 1995 e novembro de 1997, para o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e a obra intitulada “Inscrições Pré-Históricas de Piripiri”, do
geólogo Reinaldo Coutinho, publicada em 1996 (COUTINHO, 1996), a qual aborda os
sítios arqueológicos de maneira substancialmente fantasiosa.
Atualmente, as investigações evidenciaram uma coleção de registros
rupestres numericamente excepcional, apresentando, em alguns sítios (Figura 1),
padrões policrômicos, frequente recorrência dos motivos pintados e elevada
ocorrência de sobreposições entre as inscrições rupestres e manchas vestigiais
de tinta pré-histórica. A existência de gravuras rupestres, majoritariamente na
forma de cúpules, é outro elemento interessante desse conjunto de sítios,
grafadas harmonicante com os registros rupestres pintados.
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Figura 1. Localização geográfica de alguns
sítios de arte rupestre da região
arqueológica de Piripiri, no estado Piauí,
Brasil. FONTE: Google Earth.
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As prospecções no entorno dos sítios já cadastrados evidenciaram
vários outros, em sua maioria, situados em locais de difícil acesso, como é o
caso dos povoados Buriti dos Cavalos e Cadoz Velho, nos quais mais de uma dezena
de novos sítios de registros rupestres foram recentemente localizados.
As pinturas rupestres foram feitas em pontos de erosão alveolar em
rochas areníticas da Formação Cabeças – Membro Oeiras, as quais
apresentam a feição externa semelhante a carapaças de tartaruga, estruturas
resultantes da modelagem diferencial pelas ações, sobretudo, das chuvas e dos ventos
(FORTES, 1996; Figura 2).
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Figura 2. Feições do arenito típico da Formação
Cabeças – Membro Oeiras.
Buriti dos Cavalos, Piripiri, Piauí.
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Todos os sítios arqueológicos dessa região apresentam problemas de
conservação, em algum grau, dependendo dos agentes de degradação que atuam.
Projetos atualmente em andamento buscam o conhecimento mais aprofundado de
parâmetros térmicos (do ambiente e do substrato rochoso, áreas com e sem
pinturas rupestres), da umidade relativa e da velocidade dos ventos, aspectos diretamente
relacionados aos agentes degradantes.
Este artigo, em especial, apresenta o sítio Pedra Ferrada, um complexo
rochoso que tem quatro paineis de pinturas rupestres e que está localizado em
uma área com residências e frequentes intervenções antrópicas, pelos moradores
do entorno.
Metodologia
Os trabalhos de campo foram realizados de forma a conhecer o sítio
(registros rupestres, substrato rochoso e problemas de conservação envolvidos)
e o ambiente no qual ele está inserido (geomorfologia, flora – presente
no sítio e em seu entorno imediato – e fauna – presente no suporte pétreo
e vizinhança).
As áreas com pinturas foram divididas em paineis; posteriormente
realizou-se a contagem dos registros rupestres, por painel; verificou-se a
recorrência dos motivos representados; a observação das cores dos pigmentos
usados na elaboração dos grafismos; a medição da largura média do traço gráfico
e dos tamanhos das figuras. Além disso, realizou-se o levantamento fotográfico
com e sem escala (das pinturas, dos depósitos de alteração e do ambiente do
entorno), bem como se verificou a ocorrência ou não de sobreposições de cores e
de inscrições rupestres. Também se efetuou a medição da altura superior e
inferior dos registros, em relação ao nível médio do solo atual.
A flora foi descrita, preliminarmente, com base na nomenclatura
popular, fornecida por moradores da região e a identificação científica dos
espécimes catalogados em campo foi efetuada com base na literatura
especializada da área. A descrição da fauna ficou circunscrita aos animais que
influenciam diretamente nos problemas de conservação dos registros pintados.
A localização geográfica foi realizada via utilização de GPS Garmin Etrex,
(Datum WGS 84). Investigou-se ainda a orientação geográfica da abertura das
manchas gráficas.
Todos os procedimentos
de campo foram documentados exaustivamente através de anotações em caderno destinado
para este fim e pela composição de um banco de imagens digitais, visando, entre
outros aspectos, o monitoramento do estado de conservação do sítio investigado.
O sítio Pedra Ferrada
O sítio Pedra Ferrada
situa-se em um complexo arenítico em avançado estado de degradação, localizado
nas coordenadas geográficas 4º25’11,6” de Latitude Sul e 41º43'15,9” de Longitude
Oeste, a 219 metros em relação ao nível médio do mar, no povoado Oiticica, área
rural do município de Piripiri, estado do Piauí, Brasil. São quatro paineis gráficos,
espacialmente separados, contendo um total de 37 registros rupestres representando
grafismos puros e alguns poucos carimbos de mãos humanas. As pinturas foram
elaboradas principalmente em diferentes tonalidades de vermelho e em um púrpura
quase preto.
A vegetação do entorno (Figura
3) é típica de cerrado com algumas intrusões de caatinga, com exemplares de macambira (Bromelia
laciniosa Mart. ex Schult. F), capim (Eragrostis pilosa (L.) P. Beauv.), relva rasteira, pitomba (Talisia esculenta Raldk.), fonte, farinha-seca
(Casearia
ulmifolia Cambess.), fedegoso (Senna occidentalis (L.) Link.), muta (Myrcia fallax (Rich.) DC.), pequiá (Aspidosperma parvifolium A.DC.), pau-de-terra (Qualea grandiflora), gameleira (Ficus gameleira Standl), canjarana, araticum
(Annona coriacea Mart.), lacre,
jatobá (Hymenaea
courbaril L.), cascudo, cajuí (Anacardium microcarpum Ducke.),
cana (Saccharum
officinarum Roxb.), banana (Musa
paradisiaca L.), birindiba, faveira (Parkia platycephala Benth.),
cajueiro (Anacardium
occidentale L.), pitomba de leite, imburana (Amburana cearensis (Allemão)
A.C.Sm.), ameixa (Ximenia
americana L.), aroeira verdadeira (Myracrodruon urundeuva Allemão), angico-preto (Anadenanthera
macrocarpa (Benth.) Brenan) e janaguba (Himatanthus drasticus (Mart.)
Plumel).
A fauna mais frequente no sítio é composta por abelhas italianas,
vespas-marimbondo, vespas-maria-pobre, rabudos, preás (Cavia aperea),
caprinos, ovinos, suínos e bovinos.
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Figura 3. Vegetação do entorno do sítio Pedra
Ferrada. Piripiri, Piauí.
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Descrição dos painéis
gráficos
Painel 1
O Painel 1 (Figura 4) tem 9
grafismos voltados para leste, com o registro mais alto a 2,20 m e o mais
baixo a 1,90 m, ambos em relação ao nível médio do solo atual. A largura
média do traço gráfico é de 1,2 cm.
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Figura 4. Vista panorâmica e pinturas rupestres
do Painel 1. Sítio Pedra Ferrada, Piripiri, Piauí.
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Painel 2
O Painel 2 (Figura 5) tem 14
registros rupestres (Figura 6) voltados para o norte e situa-se a 5,70 m à
direita do Painel 1. O grafismo mais alto está a 1,16 m e o mais baixo a 34 cm,
ambos em relação ao nível médio do solo atual. A largura média do traço gráfico
varia de 7,0 mm; 1,0 cm; 1,2 cm. Entre os motivos pintados, há a
recorrência de 4 carimbos de mãos humanas.
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Figura 5. Visão panorâmica do Painel 2. Sítio
Pedra Ferrada, Piripiri, Piauí.
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Figura 6. Pinturas rupestres do Painel 2. Sítio
Pedra Ferrada, Piripiri, Piauí.
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Painel 3
O Painel 3 (Figura 7) tem 6 registros
rupestres voltados para o oeste e está situado a 1,95 m à direita do Painel
2. O registro mais alto localiza-se a 3,65 m e o mais baixo a 3,40 m,
ambos em relação ao nível médio do solo atual. A largura média do traço gráfico
varia de 9 mm;10 mm; 11 mm; 12 mm. Marcas de respingos
indicam que as pinturas foram feitas com a tinta no estado líquido.
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Figura 7. Pinturas rupestres do Painel 3. Sítio
Pedra Ferrada, Piripiri, Piauí.
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Painel 4
O Painel 4 (Figura 8) tem 8
registros rupestres (Figura 9) voltados para o sudoeste e localiza-se a
21 m à esquerda do Painel 1. O grafismo mais alto situa-se a 1,18 m e
o mais baixo a 65 cm, ambos em relação ao nível médio do solo atual. A
largura média do traço gráfico das pinturas é 0,7 cm; 1,2 cm; 1,3 cm;
1,5 cm.
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Figura 8. Visão panorâmica do Painel 4. Sítio
Pedra Ferrada, Piripiri, Piauí.
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Figura 9. Pinturas rupestres do Painel 4. Sítio
Pedra Ferrada, Piripiri, Piauí.
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Análise do estado de
conservação
O estado de conservação das
pinturas é bom, mas a rocha está sendo deteriorada pela vegetação. O bloco de
arenito enfrenta muitos problemas de conservação, sendo que o principal é a
presença de raízes de plantas trepadeiras, que estão fortemente fixadas,
penetrando nas fissuras existentes e abrindo outras, literalmente esfacelando o
suporte rochoso. Existem principalmente muitas bromeliáceas e gameleiras
fixadas ao suporte rochoso e verifica-se também a ocorrência de líquens e
musgos. A rocha matriz contém ainda vespas-marimbondo e insetos. Há manchas de
fuligem, decorrentes da eliminação de vespas-marimbondo e abelhas, além de
galerias de cupins, ninhos de vespas-maria-pobre, teias de aranha e
eflorescências salinas. A fonte de água mais próxima é um riacho a cerca de 100
metros do sítio.
Os diversos problemas de
ação antrópica estão especialmente relacionados com a grande proximidade das
residências do entorno do complexo arenítico e a elevada densidade de pessoas
permanentemente na área. Como consequência, o sítio é continuamente visitado,
sendo utilizado como depósito de entulhos, além da existência de um campo de
futebol de areia (Figura 10), localizado lateralmente ao bloco rochoso e na
frente do Painel 1.
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Figura 10. Campo de futebol na frente do Painel
1. Sítio Pedra Ferrada, Piripiri, Piauí.
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Considerações finais
Os carimbos de mãos humanas são os únicos registros rupestres reconhecíveis
no sítio Pedra Ferrada e os respingos de tinta pré-histórica são fortemente
indicativos de que as pinturas foram feitas com os pigmentos no estado líquido.
A largura média dos traços gráficos também é sugestiva de que as pinturas
tenham sido executadas com os dedos das mãos, exceto na representação dos
carimbos de mãos, em que as palmas foram previamente pintadas e posteriormente
impressas na parede rochosa.
Esse sítio chama a atenção pelo fato das pinturas rupestres estarem
bem preservadas, embora o complexo rochoso no qual os paineis foram pintados
esteja encravado em uma área com moradias humanas muito próximas (Figura 11). O
fluxo de pessoas, de bicicletas e até mesmo de veículos é preocupante, mesmo
que não tenham sido verificados atos de vandalismos (como pichações, por
exemplo) diretamente nas pinturas.
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Figura 11. Casas no entorno do sítio Pedra
Ferrada. Piripiri, Piauí. FONTE: Google Earth.
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A deposição de lixo no sítio exige medidas de educação patrimonial,
na tentativa de solucionar o problema, sobretudo porque os dejetos podem
favorecer o surgimento de problemas novos, além de aumentar o número de animais
na área.
O campo de futebol na lateral do complexo arenítico e na frente do
Painel 1 é resultante da remoção de vegetação ao longo do tempo e atualmente
influencia na disponibilidade de sedimentos finos, que danificam as pinturas
por abrasão.
—¿Preguntas,
comentarios? escriba a: rupestreweb@yahoogroups.com—
Cómo citar este artículo:
Duarte Cavalcante, Luis
Carlos; Nunes Ferreira, Adna
Lusane; de Castro, Mayana;
Gomes de Sousa, Natália. Arte
rupestre no quintal: o caso da Pedra Ferrada e o desafio da preservação
patrimonial. En Rupestreweb, http://www.rupestreweb.info/pedraferrada.html
2013
REFERENCIAS
CAVALCANTE,
L. C. D.; RODRIGUES, A. A. Arte rupestre e problemas de conservação da Pedra do
Cantagalo I. International Journal of South
American Archaeology, n. 7, p. 15-21, 2010.
CAVALCANTE,
L. C. D.; RODRIGUES, A. A. Pinturas rupestres do sítio Cadoz Velho I, Piripiri,
Piauí. Rupestreweb – Arte
Rupestre em América Latina, não paginado, 2012. Disponível em:
<http://www.rupestreweb.info/piripiri.html>. Acesso em: 12 dez. 2012.
CAVALCANTE,
L. C. D.; RODRIGUES, P. R. A. Análise dos registros rupestres e levantamento
dos problemas de conservação do sítio Pedra do Atlas, Piripiri, Piauí. Clio Arqueológica, v. 24, n. 2, p.
154-173, 2009.
CAVALCANTE,
L. C. D.; RODRIGUES, P. R. A. Pedra do Dicionário: registros rupestres e
propostas de intervenção de conservação. Clio
Arqueológica, 2013. Submetido.
COUTINHO,
R. Inscrições pré-históricas de Piripiri.
Piripiri: J. A. Gráfica e Editora Ltda., Edição do autor, 1996.
FORTES,
F. P. Geologia de Sete Cidades.
Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1996.
MAGALHÃES,
S. M. C. A arte rupestre no centro-norte
do Piauí: indícios de narrativas icônicas. 2011. 456 f. Tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011.
NAP-UFPI/IPHAN. Levantamento e cadastramento de sítios
arqueológicos do estado do Piauí – 1ª a 10ª Etapa. Teresina:
NAP-UFPI, 1986 a 2005.
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